Um papo reto com Negra Li
Era início de 2021 quando a cantora e atriz Negra Li buscou auxílio de um psiquiatra porque estava tendo uma grande dificuldade para dormir. O que no início ela pensou ser uma insistente insônia, na verdade, era indício de outro transtorno: o TDAH.
O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, conhecido popularmente como TDAH, é um transtorno neurobiológico genético que é caracterizado principalmente por três sintomas: a desatenção, a impulsividade e a hiperatividade.
“Para mim foi mais visível a ansiedade e a hiperatividade, então é um pouco mais difícil de você reconhecer que é TDAH. Acho que a pandemia fez a gente se auto avaliar, se conhecer, não tinha por onde escapar, então eu consegui me conhecer e isso foi libertador”, explica a cantora.
De acordo com a Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA), ele atinge entre 5% a 8% da população mundial e, segundo o Ministério da Saúde, a única maneira de diagnosticar o TDAH é de modo clínico – ou seja, não existe nenhum exame que faça a identificação.
“Para mim foi mais visível a ansiedade e a hiperatividade, então é um pouco mais difícil de você reconhecer que é TDAH. Acho que a pandemia fez a gente se auto avaliar, se conhecer, não tinha por onde escapar”
Conforme recomendação da ABDA, o tratamento para o transtorno deve ser feito de forma multimodal, combinando técnicas, orientações e medicamentos. Entre os medicamentos alopáticos mais comuns para combater o TDAH estão o Venvanse, Ritalina, Concerta, Strattera, Tofranil e Pamelor.
No entanto, a utilização de alguns remédios entre os adultos encara certa resistência, em especial devido aos efeitos colaterais que eles possuem, como tontura, palpitações, taquicardia, queda de cabelo, espasmos musculares e até alucinações. Negra Li explica que, no início, ela também não se adaptou ao fármaco receitado pelo seu médico e, que após reclamar de alguns efeitos colaterais indesejados, ele receitou o canabidiol.
“Eu reluto para tomar remédios muito fortes porque tenho meus filhos, então se precisar acordar às três da manhã eu preciso estar bem. Quando ele me receitou o óleo de canabidiol, achei maravilhoso. É da planta, é natural”, afirma Negra Li.
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Raio-x do canabidiol
De acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM), o canabidiol (CBD) é um dos 80 canabinóides presentes na planta Cannabis sativa, a maconha.
Diferente do Tetrahidrocanabinol (THC), o uso contínuo dessa substância não produz tolerância dos seus efeitos em seus consumidores, nem qualquer sinal de dependência ou abstinência. Além disso, conforme pesquisa do CFM, o CBD não gera efeitos psicoativos típicos da planta, como faz o THC.
“Eu reluto para tomar remédios muito fortes porque tenho meus filhos, então se precisar acordar às três da manhã eu preciso estar bem. Quando ele me receitou o óleo de canabidiol, achei maravilhoso. É da planta, é natural”
No Brasil, a utilização de remédios à base de canabidiol foi autorizada pela Agência Nacional Vigilância Sanitária (Anvisa) em uma resolução publicada em maio de 2015. Nela, a importação de produtos com a substância é descrita sob “caráter de excepcionalidade”.
Negra Li critica a dificuldade do acesso e os altos custos dos produtos com base de canabidiol no Brasil. Segundo a cantora, além de espalhar informações corretas sobre o assunto, as pessoas precisam lutar para que esse tipo de medicação seja para todos.
“Fico triste porque há pessoas que nunca poderão se tratar com o CBD e nem saberão da possibilidade de usar o medicamento”, explica. “O médico fez todo o diagnóstico, mais de uma vez, para entender o que eu tinha, o que eu precisava, as dosagens certas, então são só benefícios.”
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De acordo com a cantora, além do canabidiol, ela também faz o uso do Tetrahidrocanabinol (THC), substância que pode causar efeitos psicoativos e neurotóxicos, como aponta a Associação Paulista para Desenvolvimento da Medicina (SPDM). Questionada sobre os efeitos negativos do canabinóide, Negra Li afirma nunca ter sentido nada e ressalta a importância do diagnóstico médico.
“Eu tomo a dosagem certa. Não é droga, é medicinal. Fico mais tranquila, dificilmente tenho a irritabilidade, a ansiedade que eu sentia. Estou melhorando muito”, explica a atriz.
O CBD vai ser proibido no Brasil?
No dia 14 de outubro, o Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução CFM nº 2.324/22 que estabelecia novas regras para a prescrição de medicamentos à base de canabidiol.
A nova norma restringia a prescrição do canabidiol apenas para o tratamento de epilepsia refratária em crianças e adolescentes com síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut ou complexo de esclerose tuberosa. Para os demais tipos de epilepsia, a substância não poderia mais ser prescrita.
Além disso, com as novas regras, pessoas adultas com doenças como depressão, ansiedade, dores crônicas, Alzheimer e Parkinson não teriam mais acesso ao medicamento. Com o anúncio da mudança, manifestações tomaram conta das redes sociais e protestos ocorreram em frente a sede do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj).
Com as reações, o Conselho Federal de Medicina decidiu sustar temporariamente os efeitos da nova resolução. Para Negra Li, a decisão é “absurda” e é papel de artistas e figuras públicas se manifestarem a respeito.
“O preconceito é muito chato. Como sinto os benefícios, não tem como eu não falar sobre. Tenho uma tia com alzheimer que infelizmente não tem condições para comprar e isso me deixa desesperada, porque sei que ela poderia melhorar. Para mim, não é só ansiedade, melhorei em várias coisas, não há como eu ficar calada num momento desses”, afirma Li.
“É visível que tivemos avanços [sobre a questão racial], mas é em passos lentos, porque se fosse rápido, eu estaria milionária”
A cantora diz acreditar que, assim como aconteceu com outros assuntos considerados tabus, o preconceito sobre o canabidiol vai acabar. Contudo, ela concorda que há uma banalização do TDAH nas redes sociais e afirma que é preciso conhecer o transtorno, e não culpá-lo.
“Existem tipos de TDAH e isso pode alterar seu comportamento, sua vida social, e você não deve culpar o TDAH, mas deve tratar e entender que ele pode ser causador de muitos problemas no seu dia a dia e no seu convívio social”, completa a cantora.
Consciência negra
Concorrendo a categoria de “Melhor Videoclipe” do WME Awards by Music2! pela canção “Era Uma Vez Liliane”, Negra Li reflete sobre a sua carreira e o preconceito racial no Brasil.
“É visível que tivemos avanços, mas é em passos lentos, porque se fosse rápido, eu estaria milionária”, brinca a cantora. Ela comenta, ainda, que há um déficit muito grande na inclusão presente nos bastidores dos projetos.
“Que nós viramos modelo a gente já sabe, agora o que nós queremos é estar por trás. A gente precisa de pessoas brancas antirracistas, mas acho que a mudança só vai ser real quando estivermos nos bastidores. Queremos representatividade em todas as áreas e quesitos”, finaliza a artista.