Skinheads antifas e antirracistas: quem são e por que lutam
As organizações SHARP e RASH, formadas por skins libertários, inspiram-se em princípios multiculturais e combativos para confrontar a extrema direita
por Eduardo Ribeiro
15 mar 2022
00h30
ma das mais antigas erupções das gangues de rua britânicas, contemporânea dos greasers, teddy boys, bikers e mods, a corrente skinhead é também das mais autênticas e incompreendidas. Os skinheads primeiros, que tiveram seu auge de ocupação dos bairros proletários e das manchetes por volta de 1969 – daí a constante menção ao “espírito de 69” – surgiram como uma expressão da jovem classe trabalhadora do Reino Unido influenciada pela chegada dos rudeboys com a imigração caribenha – a Windrush Generation (1948-1971) –, que além do apuro no vestir, trouxeram consigo a cadência do ska e do rocksteady.
O skinhead possui um DNA essencialmente multiétnico, que combina moda de presença forte, música, cultura de bar, territorialismo urbano e a paixão pelo futebol. No começo, era uma espécie de ramificação do mod, assim como os smoothies, descrita em variações como hard mod e suedehead, em meio a outras nomenclaturas, até chegar no “skinhead”. Nos anos 80, quando houve o revival do mod, do ska (via gravadora musical 2 Tone) e a new wave, eclodiu também uma renascença do skinhead pela fusão com o punk. Bandas como a Sham 69 e Cockney Rejects inauguraram os estilos Oi! e street punk. O grito de “Oi!”, que aparece no título de uma faixa dos Rejects, significa uma saudação – como a famosa “Êra punk!”, aqui no Brasil –, e era o jeito do vocalista Stinky Turner contar “1 2 3 4” antes de um som.
Foi nessa época que os partidos e facções políticas de extrema direita se infiltraram nos círculos adolescentes e recrutaram parte do movimento. Mas apesar de toda a violência sectária praticada pelos boneheads – os skins nazifascistas – desde então, a cena nunca foi majoritariamente afeita a essas ideias. A vertente antirracista, logo identificada pela organização SHARP (Skinheads Against Racial Prejudice), é tão remota quanto os nazi skins e os punks de direita. Os skins afiliados ao anarquismo e ao comunismo, igualmente, sempre marcaram presença no underground e nos movimentos populares mundo afora. Mesmo no Brasil, onde as gangues LGBTfóbicas, racistas, xenófobas e regionalistas existem desde os anos 1980, já se ouvia falar em skins SHARP em meados dos 1990.
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“A história do skinhead já vem de uma luta antirracista, sempre foi o povo preto proletário tentando ganhar a vida em um país europeu. O estilo de vida skinhead entre os jovens de classe baixa e média era refletido de um senso de revolta do operário da época”
SHARP SP
Globalmente, as agitações sociais da última década têm acolhido uma nova afluência de skins libertários em suas frentes. Por aqui, não ocorre diferente. Na atual jovem militância antifa brasileira, encontram-se pixadores, torcidas, headbangers, punks, rappers e, entre outros grupos… skinheads. Organizados em núcleos locais da SHARP e da RASH (Red and Anarchist Skinheads), atua para resgatar e reafirmar a sua identidade multicultural e as pautas das classes estudantil, trabalhadora, subempregada e desempregada.
Como trilha sonora para isso, contam com uma safra de bandas Oi! formadas de 2015 para cá, além de festas que promovem as variações do early reggae, ska, rocksteady e soul. A Elástica conversou com alguns participantes do movimento. As seções SHARP e RASH paulistas preferiram responder coletivamente por escrito.
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Ah! E aqui sugerimos uma playlist de skinhead reggae que preparamos para você ouvir enquanto lê 😉
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Centelha
Plebe (SHARP RJ): Bem, falando especificamente da cena skin no Rio de Janeiro, o corre começou com um grupo de Niterói e entornos chamado Front 16, no ano de 2017, com indivíduos que eram/são skinheads e compactuam com o símbolo e ideias da SHARP Internacional, que basicamente são as landmarks de Roddy Moreno, o qual seguimos fielmente. Roddy é vocalista de uma das primeiras bandas SHARP mais conhecidas, a The Oppressed, e foi quem levou a semente da SHARP NY para a Europa na década de 1980, desenvolvendo o logo tradicional que usamos hoje, conhecido mundialmente. Roddy percebeu que não bastava ser antirracista, era necessário ser antifascista, desenvolvendo, então, uma mentalidade dentro da cena skinhead que consideramos bastante coerente com o que pregamos dentro da SHARP RJ. O Roddy não era anarquista e também não era comunista (apesar de simpático a algumas ideias), mas mostrou que ser antifascista depende mais do caráter do que da ideologia propriamente dita. Não precisa ser anarquista ou comunista para ser antifascista, só basta ter caráter e o mínimo de censo de justiça e humanidade.
O Front 16, em 2019, após conversas, chegou ao consenso de que deveria aderir à nomenclatura SHARP. Assim como foi feito em São Paulo, onde a primeira facção brasileira original surgiu em meados de 2011. Seguimos o nosso caminho e desde sempre fazemos nossas movimentações, agora com projeção mundial.
SHARP SP: A história do skinhead já vem de uma luta antirracista, sempre foi o povo preto proletário tentando ganhar a vida em um país europeu. O estilo de vida skinhead entre os jovens de classe baixa e média era refletido de um senso de revolta do operário da época. Infelizmente, na década de 1980, esse senso de revolta perdeu um pouco o foco, o burguês conseguiu manipular ao ponto de redirecionar a revolta das massas contra os imigrantes, iniciando uma onda de ataques. O paki bash [agressões à comunidade paquistanesa residente em terras britânicas], além de ser uma contradição a uma subcultura constituída por imigrantes jamaicanos, foi algo que deu impulso para o skinhead seguir pelo caminho que seguiu em 1980. Começou devido ao grande número de estrangeiros que foram para Europa na época de crise financeira, e foi questionado por muitos skinheads, inclusive a cantora Claudette & The Corporation lançou a música “Skinhead a Bash Them”, exatamente por causa das perseguições aos imigrantes. Nossa treta é e sempre foi com racistas, nazistas e preconceituosos.
Plebe: Eu não vejo essas atitudes como legado. Algumas pessoas preferem exaltar o “espírito de 69”, mas nós não somos skinheads de 1969, somos skinheads de agora, não estávamos lá nem estamos aqui pra ser retrô ou imitar épocas. Não podemos, em hipótese alguma, responder pelos atos dos outros no passado. O que acontecia é que não havia regras morais dentro do skinhead (como não havia no punk). Qualquer um poderia colocar um suspensório, raspar a cabeça e fazer o que fosse, podendo ser a pessoa também hippie ou punk. Mau caratismo não tem roupa e não escolhe cultura juvenil. A mídia dava um alcance enorme desses fatos aos jovens em seus tabloides. Parecia que todo skinhead fazia paki bash, parecia que todo skinhead era um jovem em busca de uma violência burra zoando quem quer que fosse. Claro que há contextos sociais, estamos analisando fatos anacronicamente, mas não deixa de serem atitudes burras. Creio que atitudes burras e preconceituosas não são legados e jamais farão parte disso que vivemos quando falamos o que somos. Aqui, no estado do Rio de Janeiro, se um jovem começa com quaisquer dessas paradas, é o último dia dele de suspensório. Não há margem pra ser sacana dentro do nosso corre e é esse o legado que queremos deixar, é essa a mensagem que deixamos.
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Demente(punk das antigas, toca e já tocou no Phobia Punk Rockers, Juventude Maldita, Elektrobillys, The Eletric Candles, Calibre 12 e Invasores de Cérebro. Proprietário da casa Noise Terror, no Jabaquara, de 2009 até o fechamento, em 2017): Acho que para cada pessoa a informação chegou de um jeito. No meu caso específico, tive o primeiro contato com skinheads antifascistas em uma turnê que o Phobia Punk Rockers fez no Chile em 2002. Foi um susto a princípio, e quase fomos pra cima dos caras, mas a galera anarcopunk de lá nos explicou qual era a parada, que eles eram antifascistas e que lá andavam juntos. Lá também foi a primeira vez que escutei falar de punks de direita e de extrema-direita, e isso me fez repensar a visão sobre essas culturas, perceber que elas não são necessariamente homogêneas em suas ideologias políticas, apesar de serem mais ou menos homogêneas enquanto cultura, de compartilharem uma maneira de se vestir, simbologias, tatuagens, gêneros musicais, linguagens etc… Era muito diferente da visão que tínhamos no Brasil, onde punks se definiam necessariamente como anarquistas ou de esquerda e skinheads como nacionalistas e fascistas. Acho que tive acesso a essa informação um pouco antes que isso começasse a se desenvolver de uma maneira mais nítida por aqui. O que eu vi depois foi uma parte da cena aceitando essa nova tendência e uma parte bastante grande, principalmente de pessoas mais antigas no rolê, que não eram capazes de entender ou aceitar essa nova realidade devido a toda uma história pregressa de tretas, atentados e mortes envolvendo as brigas entre punks e skinheads no Brasil. O ponto central foi entender que a guerra não era entre punks e skinheads, mas entre explorados e exploradores (ou seus apoiadores) e entre fascistas e antifascistas. Uma vez que caiu essa ficha, comecei a pensar que a cultura com a qual a pessoa se identificava era muito menos importante que a ideologia que ela praticava. Não importa se a pessoa é punk, skinhead, gótico, headbanger, pagodeiro, mas sim de qual lado do espectro político que ela se encontra.
“Aqui, no estado do Rio de Janeiro, se um jovem começa com quaisquer dessas paradas é o último dia dele de suspensório. Não há margem pra ser sacana dentro do nosso corre e é esse o legado que queremos deixar, é essa a mensagem que deixamos”
Plebe
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Retrato
Plebe: O mais velho de nós tem 38 anos, uns estão na casa dos 30 e outros são bem jovens, na casa dos 20. Alguns descobriram o skinhead de cara, de alguma maneira, outros vieram de torcidas organizadas ou do punk, como é o meu caso. Há gente de motoclube. Eu era anarcopunk e descobri o skinhead quando tive acesso à internet, no início dos anos 2000, quando houve a popularização inclusive por meio de lan houses. Alguns são anarquistas, outros, comunistas, ou que se identificam com as duas correntes.
SHARP SP: Somos todos antifascistas, e por causa de todo o histórico de luta da subcultura, vemos a necessidade de um posicionamento político de esquerda, afinal, é uma cultura de pobre e para pobre.
RASH SP: A RASH São Paulo é uma das mais jovens, com uma média de 25 anos. Nos demais países, a média é de 30 anos. Apesar de sermos compostos por mulheres, negros, pessoas LGBTQIA+, não dependemos disso para afirmar posicionamento, identitarismo não compõe a RASH. Uma RASH surge com aprovação internacional, após ser aceita por pelo menos duas RASH de outros países. É uma maneira organizada para manter firme a ideia e ação das três setas [referência ao símbolo antifascista]. Nossos Festivais, RASH Fest, demonstram nosso corre. Grupos de rap, reggae, ska, troca de ideias de diversos assuntos políticos, bandas de street punk, Oi!. Nosso último festival teve presença da banda Brigada 16, de Pernambuco, e contávamos com a banda chilena Curasbun, que, por motivos de saúde de um dos membros, não pôde comparecer. Gostamos de lembrar o Encontro Skinhead das Américas, iniciativa das RASHs e demais grupos de esquerda, retomando e fortalecendo a cena.
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Plebe: Na SHARP RJ, tem a figura do “frente”, eleito por nós na maioria e que toma as decisões e dá a última palavra. Somos 12, e a quantidade não importa muito, apenas a qualidade – a pessoa precisa entender que, na cena, ela precisa produzir e não ser parasita. Há pessoas de diferentes gêneros, etnias e profissões. Classes, não. Todo mundo é pobre, fudido ou favela.
RASH SP: Nosso coletivo reúne skinheads anarquistas e comunistas. A despeito das divergências ideológicas entre anarquismo e comunismo, procuramos sempre debater internamente essas questões, não a fim de “resolver” qualquer disparidade histórica, mas para fins de estudo mesmo. Para ser revolucionário hoje, é necessário ser, antes de qualquer coisa, antifascista, e isso está acima de conflitos ideológicos iniciados centenas de anos atrás.
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Não é uma curtição. O importante é aproximar nossa gente ao meio da luta de nós por nós. Muitos de nós, quase que de maneira unânime, tiveram o primeiro contato político nos protestos de 2013 e nas ocupações secundaristas de 2015. Ocupações, espaços de cultura, música e artes marciais, dentro das quebradas, é onde a RASH atua.
“Para ser revolucionário hoje é necessário ser, antes de qualquer coisa, antifascista, e isso está acima de conflitos ideológicos iniciados centenas de anos atrás”
RASH SP
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Organização
Plebe: A SHARP RJ é o primeiro coletivo de skinheads antifascistas de que se tem ideia em todo o Estado. Somos extremamente territorialistas, a luta por território é uma de nossas pautas porque, controlando as ruas, evitamos que gente de mau caráter ou com ideologias nefastas se apropriem do nome – imagine uma SHARP que faz acordo com nazis e se diz apolítica? Isso aconteceu no Sul no fim dos anos 2000. A palavra skinhead nas mãos de gente suja vira uma arma e uma propaganda poderosa, principalmente numa sociedade balizada pela violência. Associar o substantivo skinhead à violência é tarefa fácil para os tabloides mais sensacionalistas. Se um grande jornal veicula uma matéria no Rio de Janeiro sobre skinheads matando alguém, acredite, um jovem vai ler sobre isso e sentir desejo de raspar a cabeça e pôr para fora seus traumas nas pessoas inocentes. Há pessoas que usam o nome skinhead para preencher vazios que não conhecemos e se desencantam muito rápido, porém o que tentamos fazer neste Estado é dizer pra elas nas ruas que, se vão resolver usar o nome skinhead, o farão de forma responsável. Somos cobradores, o vacilo a gente faz questão de cobrar. Assim, com a divulgação de nossos zines e com uma página no Instagram, as pessoas entendem que existem skinheads aqui no Rio e eles são antifascistas. Há pessoas que não são de nenhum movimento e nos seguem na nossa página no insta. Agora, estão bem informadas.
A SHARP, em nível nacional, como um grupo, começou em São Paulo entre 2011 e 2012. A herança anterior, e eu entendo herança como os primeiros skinheads antifascistas que militaram na RASH SP, foi crucial para entendermos como se desenvolveu o movimento no solo nacional. Não havia skinheads antifascistas propriamente ditos antes dos anos 2000 – Ok, poderia haver exceções como o Mau, dos Garotos Podres, assumidamente comunista. Em torno da RASH SP circularam indivíduos que deram suor e sangue para dizer às pessoas que skinhead anarquista/comunista e antifascista era um fato, algo normal em todo o mundo, mas aqui, no início e graças à mídia, ainda éramos algo inacreditável. Havia gente no fórum do CMI (Centro de Mídia Independente) que dizia que éramos infiltrados. Loucura. Valia de tudo para tentar nos abafar. Então é possível dizer que o caminho em que estamos hoje, o caminho que a SHARP ou qualquer indivíduo skinhead antifascista está trilhando, foi graças aos que, no passado, colocaram a cara à tapa.
SHARP SP: A cultura original nunca morreu, sempre esteve viva graças a muitos que sustentaram a luta antirracista. No final da década de 1980, um grupo de jovens franceses que estavam cansados das perseguições dos neonazistas se reuniu e constituiu uma gangue chamada Red Warriors (Guerreiros Vermelhos). Eles saíam às ruas na caçada aos nazistas. Esse movimento ganhou visibilidade e, em pouco tempo, na Europa, Reino Unido e Estados Unidos começaram a surgir vários grupos de luta antirracista e antifascista como a RASH e a SHARP. A SHARP foi fundada em 1985 nos Estados Unidos, tendo a intenção de confrontar a KKK (Ku Klux Klan) e partidos de extrema direita. A RASH vem, desde 1994, levando ainda mais em consideração a luta entre classes e voltando os olhares dos skins para o cunho político. A SHARP SP busca a herança deixada pela SHARP Minneapolis, de 1985. Tivemos outras gerações da gangue, mas após uma reestruturação seguimos na luta junto aos coletivos antifascistas e buscando sempre a união com outros grupos de luta combativa contra o racismo e o preconceito.
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“A palavra skinhead nas mãos de gente suja vira uma arma e uma propaganda poderosa, principalmente numa sociedade balizada pela violência”
Plebe
RASH SP: A RASH se iniciou em 1993 em Nova York. A proposta sempre foi construir uma cena subcultural skinhead que estivesse ativamente ligada ao antifascismo, às lutas sociais e ao enfrentamento direto à extrema direita. É interessante investigar o surgimento da primeira, dada a dificuldade de acesso a informações muito comum para a cena militante da época. Mesmo assim, podemos traçar alguns panoramas; se pesquisar bem, vai ouvir falar do The Syndicate, que foi uma rede formada em 1989 por skinheads antirracistas de oito cidades de uma região ao oeste dos Estados Unidos. Essa rede, no seu auge, viria a ser uma base forte de atuação do coletivo Anti-Racist Action. Logo em sua primeira reunião, em janeiro de 1989, contou com mais de cem skinheads de vários grupos diferentes. Inclusive com o SHOC (Skinheads of Chicago), um grupo de skins que lideraram uma extensa disputa de território contra os CASH (Chicago Area Skinheads), neonazistas, e que acabaram sendo eliminados pelos SHOC. Alguns membros que pertenciam a outros grupos e ao The Syndicate fizeram parte da formação da primeira seção da RASH, assim como membros do MayDay Crew, grupo de skinheads que já atuava na cena militante e de manifestação em Nova York. A partir daí, seções RASH ligadas, porém independentes, começam a surgir pelo mundo todo.
Demente: Do lado dos punks, a princípio houve uma parcela pequena que aceitou os skins antifas e libertários. Depois, esse número foi se ampliando com o passar dos anos. Já para os boneheads e carecas [skins nazifascistas e nacionalistas, respectivamente], me parece que era inaceitável para eles permitir a existência de antifascistas se dizendo skinheads, o que levou a uma perseguição por parte deles a esses grupos. No Brasil, quase todos os primeiros skinheads antifascistas vieram do punk ou foram largamente influenciados pela cena punk. Todas as bancas e bandas envolvidas com a ideologia de direita, nacionalismo, racismo, homofobia, xenofobia e fascismo foram um desserviço para a cena e para a humanidade em geral, e acho que seriam muitos grupos e bandas para citar aqui.
A cena paulista, que, de certa forma, norteou o restante da cena brasileira, tem uma história bem singular. Precisamos lembrar que os Carecas do Subúrbio nasceram como uma gangue punk e que depois caminharam para a extrema-direita, nacionalismo e racismo, por exemplo; e que as tretas entre as gangues punks e os carecas e grupos supremacistas brancos causaram muitos traumas e mortes. Isso, junto com a falta de informação sobre como eram as cenas de outros países, fez com que a realidade brasileira se desenvolvesse dessa forma, voltada para dentro e bastante isolada do resto da América Latina.
“No Brasil, quase todos os primeiros skinheads antifascistas vieram do punk ou foram largamente influenciados pela cena punk. Todas as bancas e bandas envolvidas com a ideologia de direita, nacionalismo, racismo, homofobia, xenofobia e fascismo foram um desserviço para a cena e para a humanidade em geral”
Demente
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Som e ideia
Demente: Das bandas que construíram esse caminho do skinhead antifascista no país, a Última Classe, Artigo 482 e os Subversivos foram meio que pioneiros, sendo seguidos por muitas bandas que vieram depois, como a Bellare. Essas foram as primeiras bandas que se assumiram realmente antifascistas, reivindicando o termo skinhead. Antes tinha o Garotos Podres, que, mesmo com algumas letras mais à esquerda, ficava em cima do muro, com letras genéricas sobre a classe operária ou algumas até à direita, como “Fuhrer”. Essa postura deles também mudou nos últimos anos, indo mais e mais à esquerda após a separação da formação clássica, acho que também influenciados por essa nova geração.
Plebe: Num contexto nacional, há bandas que representam e levam a bandeira SHARP, como é o caso da Injetores e Bellare. Existem bandas antigas que são patrimônio do Oi!/punk antifascista brasileiro, como como Sin Rejas e a lendária Subversivos – cujo vocalista é um dos primeiros skins de Pernambuco. Podemos mencionar a Última Classe, que sempre esteve envolvida com a RASH/SHARP. A mais nova do cenário musical SHARP é a Makhnário, composta de gente antiga das contraculturas. Lá fora, temos a The Oppressed, que é o grão mestre, além de Fatal Blow e The Press.
Alcides[guitarrista e vocalista da Última Classe]: O skinhead já foi desmistificado. O nazifascismo e o fascismo nunca foram exclusividade do skinhead. Também se manifestam no punk, em outras subculturas e na sociedade de modo geral por meio da cultura dominante, cujo desvencilhamento é um exercício cotidiano de qualquer segmento sociocultural crítico. As informações estão aí e a construção de conhecimento é essencial para a transformação de qualquer realidade. Ignorar a essência não racista e preta do skinhead, além de um apagamento, me parece também uma postura bastante conservadora, considerando que, ao fazê-lo, abre-se mão de mudar o que precisa ser mudado. Essa aversão patética ao skinhead no underground e em movimentos políticos possui prazo de validade. Mentiras e desinformação não se sustentam. O skinhead antifascista sempre foi uma realidade.
“Ignorar a essência não racista e preta do skinhead, além de um apagamento, me parece também uma postura bastante conservadora, considerando que, ao fazê-lo, abre-se mão de mudar o que precisa ser mudado. Essa aversão patética ao skinhead no underground e em movimentos políticos possui prazo de validade”
Alcides
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SHARP SP: No ritmo do Oi! Music citamos as bandas The Oppressed, Angelic Upstarts e Los Fastidios, da gringa, e Garotos Podres, Injetores, Brigada 16, Última Classe e Bellare, do Brasil, como nossos maiores representantes musicais. São bandas que levantam a bandeira SHARP sem medo. Temos também o orgulho de manter a chama dos ritmos jamaicanos acesa. Alguns entre nós são colecionadores de discos e estão sempre procurando fazer a melhor seleção para as pistas. Com muito early reggae, rocksteady e ska, pode se considerar que as festas dos skinheads são as melhores!
RASH SP: Todas as bandas Oi! sem uma politica definida, e obviamente as de direita, não representam nossas ideias, como Lions Law, Facção Oposta, Haymaker e Templers. Bandas Oi! que temos como referência internacional são The Oppressed, Angelic Upstarts, Non Servium, Hors Controle, Kaos Urbano, Núcleo Terço, Brigada Flores Magon, Klasse Kriminale, Loikaemie, Nabat e Urban Noise. Nacional, o Garotos Podres é a banda mais conhecida presente no meio político, que na medida do possível apoia a RASH. E, mais recentemente, a Brigada 16 fez bastante presença.
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Júnior [baixista e vocalista da Injetores]: Nosso pensamento político é libertário e contra as opressões que vivenciamos diariamente. Nos identificamos com o anarquismo, o comunismo, e também a ideia de democracia; não essa democracia burguesa que vivemos, mas aquela que deveria ver a necessidade da população e atendê-la. Temos nosso pensamento crítico, fazemos parte da classe trabalhadora e sabemos o quanto a burguesia nos passa para trás com suas políticas.
Só levar o nome skinhead já é quase como carregar um alvo para olhares ou comentários. Já fomos excluídos de algumas gigs por sermos skinheads, e isso não alterou em nada pra gente, sempre mantivemos nossa postura e sempre declaramos que somos skins. Não estamos aqui pra pedir bênção pra ninguém, nem permissão.
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Demente: O Noise Terror foi o grande ponto de encontro de uma geração que se declarou assumidamente antifascista, em oposição a gerações anteriores tanto de skinheads fascistas e ligados à extrema-direita como a uma parcela do punk acomodada ou conivente com o discurso de ódio e suas consequências dentro da cena. A Última Classe é uma banda antiga. Eles foram uma das primeiras a mostrar a cara.
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Guz [integrante da banda Mutt 16 e da SHARP SP]: Somos uma banda que defende o antifascismo. A sigla numérica “16” no nome já demonstra isso, a aliança entre anarquistas e comunistas na luta contra o fascismo e toda forma de opressão. Musicalmente, acho que não há um padrão necessário que seguimos, há sons que são um pouco mais pro punk, outros mais grunge, então não rola um gênero definido. O punk e o grunge são influências bem fortes para nós. O rap também é uma grande influência para mim, e existe uma nova geração de bandas que estão sendo denominadas “neopunk”, como Slaves e Idles, que nos inspiram bastante.
Tati[guitarrista e vocalista da Bellare]: A ideia de formar uma banda surgiu em 2013, entre amigos na faculdade de história que tinham afinidades musicais e políticas. A Bellare tem um único álbum, lançado em 2015 e apenas virtualmente, disponível nas plataformas digitais, mas já participa de diversas coletâneas, entre elas: Latinoamérica Skinhead OI!, Up the Punx (França) , Oi! Oi! Oi! Antifa (vinil); e, em breve, sairemos na Amenaza Latina (México). Eu indico a coletânea Oi! Oi! Oi! Antifa, ao lado dos nossos irmãos dos Injetores e Última Classe, pois é um trabalho que considero o mais maduro. Temos um posicionamento antifascista, visto que acreditamos na união entre comunistas e anarquistas com o propósito de combater o nosso maior inimigo: o sistema e todos os seus parasitas. Pelo fato de levantarmos a bandeira de união entre punks e skins, acabamos sendo excluídos de alguns eventos. Mesmo assim, conseguimos estar bem ativos na cena, por construirmos, ao lado de outras bandas que carregam o mesmo ideal, nossos próprios espaços.
“Nos identificamos com o anarquismo, o comunismo, e também a ideia de democracia; não essa democracia burguesa que vivemos, mas aquela que deveria ver a necessidade da população e atendê-la. Temos nosso pensamento crítico, fazemos parte da classe trabalhadora e sabemos o quanto a burguesia nos passa para trás com suas políticas”
Júnior
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Alcides: O que eu acho mais inspirador no skinhead é a sua diversidade e a capacidade de se relacionar com outras culturas marginais, locais e regionais, de todas as partes do mundo, assim como o punk. Ambas as subculturas possuem sua estética e seu ideário básicos. Porém, tudo isso varia no tempo e no espaço. Isso pode ser visto, por exemplo, no skinhead característico do início dos anos 1980, que já apresentava bastante variação em relação ao skinhead do final dos anos 1960. Outro exemplo é o skinhead nos Estados Unidos, onde também sofreu variações, sendo incorporado por parte da juventude latina, asiática e afrodescendente de Nova York, o que deu origem ao hardcore. Se formos ver bem, até o krishnacore também tem o skinhead presente em sua gênese. Existe, além disso, o edge skinhead, que mistura elementos do skinhead e do straight edge, que são drug free. Acho isso sensacional. Em toda a América Latina o skinhead forjou suas particularidades, adquirindo características mais militantes em alguns lugares, mais marginais em outros. Em diversas partes do mundo os skinheads cantam rap e estão ligados também ao hip hop. Enfim, há vários exemplos do quão variado é o skinhead. Não vejo o skinhead como algo engessado, como alguns tentam fazer parecer. Entendo-o tão dinâmico quanto o punk.
O que eu não me identifico e gostaria que tivesse sido diferente, sem dúvida, é a influência neonazista que parte dos skinheads historicamente sofreu. Isso é realmente uma grande merda. Gosto de pensar o skinhead como uma subcultura surgida nos subúrbios britânicos com referenciais afro-americanos, a partir da condição colonial estabelecida pelo Reino Unido sobre a Jamaica. É um contrafluxo colonial. Não é a cultura da metrópole opressora que influenciou a colônia historicamente oprimida, mas, ao contrário, a cultura do oprimido, colonizado, que influenciou setores oprimidos no seio da sociedade metropolitana.
Debs[SHARP SP]: Para mim foi impossível conhecer a cultura skinhead e não me aprofundar em tudo isso: o orgulho de pertencer à classe operária, a luta diária para sobreviver em meio ao sistema, a música, que muitas vezes retrata a vida do proletariado, o julgamento da sociedade em cima de cada um de nós e a revolta e o ódio em resposta a todo o descaso dos poderosos contra o nosso povo. Tudo isso nos representa e isso só prova que não tem como não envolver o skinhead com política – isso é papo de boy que só quer saber de cerveja, futebol e reggae. A cultura skinhead não é pra esse tipo de gente que nunca precisou se preocupar com desigualdade social, essas pessoas são parasitas e jamais nos representarão. Uma cultura que nasceu do povo preto e periférico jamais será ambígua.
“A cultura skinhead não é pra esse tipo de gente que nunca precisou se preocupar com desigualdade social, essas pessoas são parasitas e jamais nos representarão. Uma cultura que nasceu do povo preto e periférico jamais será ambígua”
Debs
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Estilo e visual
Plebe: Bem, é uma questão longa para se discutir porque há vários desdobramentos. O que pesa mais é deixar claro que as roupas e suas marcas não são importantes, roupas não fazem um skinhead. Roupas podem ser fantasias na cabeça equivocada que acha que será skinhead com tudo quanto é grife clichê. Entendemos que, na questão dos jovens, usar roupas boas é algo que existe até no jovem da favela que sonha com roupa de marca. É o direito dele usar uma roupa legal, não é isso? Quem não quer se vestir bem? O importante é saber que, aqui na cena, roupas não vão definir ninguém como skinhead. Essas marcas, inclusive a Dr. Martens, são quase inacessíveis. É possível, por exemplo, ver essas botas usadas por até R$ 2.500. É muito difícil que a classe trabalhadora tenha acesso, mas há botas alternativas acessíveis. Um mercado latino possibilita que todos tenham acesso a uma roupa decente e que não seja cara.
RASH SP: O visual skinhead não é foco nosso, por mais que exista o gosto e preferência. A identidade cultural está presente, é um visual de presença e historicamente de trabalhadores, por tal motivo tomamos o visual de quem são nossos inimigos e uns boyzão. O melhor visual é o tomado. Talvez o mais comum seja ver o uso de Adidas. Mas sobretudo pela coincidência de ser uma marca popular, assim como Nike e Lacoste. Como é facilmente pirateada, por ocasião é bastante presente no visual skinhead do Brasil. Doc Martens, Ben Sherman, entre outras famosas, já normalmente nós tomamos. Quem compra vira piada, visu de festa junina. Mas o que choca mesmo, e temos orgulho, é a presença de vários jovens de cabeça raspada, bomber, cara de louco, andando juntos, como se fosse uma unidade, uma própria teia de aranha, tanto para quem apenas nos vê nas ruas, como quem conhece nossa caminhada.
Debs: Acho que o visual é importante em toda subcultura, assim como punks e góticos têm o visual característico deles, também temos o nosso, que além de ser um visual estiloso, desde o mais casual ao mais elegante, é o que faz com que sejamos quem somos. Todo o skinhead periférico, que trabalha duro, tem o direito de, no fim do mês, se sobrar algum dinheiro depois de pagar tantas contas, comprar algum visu. E muitas vezes somos chamados de “boy” por pessoas que não sabem o quanto batalhamos para finalmente conseguir comprar uma Fred Perry. É diferente de termos dinheiro sobrando sempre para importar algum visu, só nós sabemos da nossa luta diária e das nossas responsas, e temos o direito de nos vestirmos bem.
“O que choca mesmo, e temos orgulho, é a presença de vários jovens de cabeça raspada, bomber, cara de louco, andando juntos, como se fosse uma unidade, uma própria teia de aranha, tanto para quem apenas nos vê nas ruas, como quem conhece nossa caminhada”
RASH SP
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Político vs. apolítico
Plebe: Aqui no Rio de Janeiro, há alguns anos, tinha essa galera apolítica. A maioria era jovens com grana, de classe média, que via no skinhead um lugar para ser alguém e no final não sobrou um. São pessoas que representam o empobrecimento e emburrecimento de uma cultura, já que pregam essas coisas: roupa e cerveja, como se o skinhead estivesse numa ilha, isolado do mundo. Lumpen da classe trabalhadora, o lumpesinato é um câncer em qualquer subcultura, aqui não foi diferente. O interessante é que essas pessoas não duram muito, desistem fácil e pulam para outra subcultura como de galho para tentar outra coisa que possa elevar sua autoestima. Eles, os nazis e os carecas são o mesmo lixo.
SHARP SP: Os apolíticos, temos que lembrá-los que precisam sair do mundinho de Bob, rolê playboy, eles precisam lembrar que ninguém escapa da guerra entre classes, e quem fica em cima do muro leva pedrada dos dois lados. Música, visu e cerveja são importantes, mas não são prioridade. Temos coisas muito mais importantes para nos preocupar e lutar.
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“Os apolíticos, temos que lembrá-los que precisam sair do mundinho de Bob, rolê playboy, eles precisam lembrar que ninguém escapa da guerra entre classes, e quem fica em cima do muro leva pedrada dos dois lados. Música, visu e cerveja são importantes, mas não são prioridade. Temos coisas muito mais importantes para nos preocupar e lutar”
SHARP SP
RASH SP: É de nítido reconhecimento que houve uma apropriação política da extrema direita sobre a nossa cultura. Por tal motivo, é inseparável da nossa caminhada ser antifascista ativo, estando em todos os locais possíveis onde nossa voz e vivência farão diferença para nossa classe e povo. Pensando nesse histórico e na urgência, ser apolítico é uma vontade liberal sobre nossa cultura. Sobretudo vindo da classe média que vive de festa e ambiguidade. A apropriação se dá a partir do momento em que se colocam vinis de música jamaicana, que as letras dizem de anticolonialismo, sobre repressão policial, imigração etc., pra gente de Pinheiros e Vila Madalena balançarem a bunda. E nunca ir além disso. Uma analogia simples, e prática, é o boy ouvindo e cantando as letras de Racionais MC ‘s, Facção Central, Trilha Sonora do Gueto, etc. Como em todo lugar do mundo, trad [skinheads à moda antiga que defendem o posicionamento apolítico] é tirado de comédia, e perde a cerveja cara. O Brasil vai ser diferente? Acho que não.
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Enfim, a cena skinhead depende da presença de rua. A narrativa será sempre do grupo que está ativo, e nós nos esforçamos para que a narrativa antifascista e classista seja a predominante.
O skinhead sempre foi político (em sua origem histórica), sempre foi ligado à classe trabalhadora e, algumas décadas depois do seu surgimento, ao antifascismo de fato. Muitos skinheads morreram nas ruas pra defender nossa cultura contra nazi/facho pra vir alguém vestido só de marca gringa e falar que skinhead não pode ser de esquerda nem de direita, ou então que “política estraga o rolê”. Todos os espaços com forte presença desse tipo de pensamento é cheio de gente duvidosa, como careca, nazi, nacionalista, ou mesmo e simplesmente de pessoas com zero compromisso com a luta revolucionária/antifascista.
Temos uma crítica muito séria quanto à questão dos trads, pela sua insistência em serem apolíticos. Para nós, a falta de politização da cena nesses anos da subcultura foi justamente a condição que a extrema direita precisava para se apropriar. Uma subcultura fortemente marcada por ser a expressão política das ruas, se voltar unicamente ao entretenimento, para nós, é jogar o jogo do liberalismo.