ois anos, mais de 29 milhões de casos e mais de 657 mil mortes. A covid-19 no Brasil escancarou desigualdades, evidenciou o fracasso do governo federal e mostrou que não há como lutar contra uma pandemia dessa proporção com estratégias individuais, mas sim, coletivas. Para quem está desde o início na linha de frente no combate à doença, esses 24 meses representaram, para além das centenas de horas de trabalho, uma enxurrada de emoções, dificuldades e inúmeras histórias de perda, medo e esperança.
Quando é seu plantão, o técnico em enfermagem Joseildo da Silva Batista tem o costume de passar por todos os leitos e conversar com os pacientes, perguntar se estão bem e quebrar um pouco o clima de tensão. Entre tantas situações difíceis que presenciou na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) em que trabalha, na cidade de Campina Grande, na Paraíba, a que mais o marcou foi a de um homem com quem brincava que iria jogar futebol ao sair do hospital. “Naquele dia, falei com o senhor, fui tomar café da manhã e, ao voltar, ele tinha ido a óbito. Fiquei muito triste”, lembra, emocionado.
“As pessoas confiavam demais na gente, pois ficavam internadas sozinhas. Nós éramos o elo delas com o mundo”, acrescenta o profissional. Joseildo acredita que a pandemia transformou sua forma de ver a vida. “Nós entendemos o quanto somos frágeis diante de uma doença da qual não temos controle, que não é uma gripe e não tem tratamento, apesar de felizmente hoje ter a vacina”, completa.
A enfermeira Karina Guzzo sentiu na pele os impactos do começo da pandemia. Precisou distanciar-se da família para protegê-la, teve crises de insônia e viu a morte de perto. “Foram dias difíceis até a tão esperada vacina. Nós, profissionais da saúde, lidamos com situações tensas”, indaga. Hoje, ela atua em um hospital particular de São Paulo e, no lugar de tanta tristeza que presenciou, prefere focar nas situações positivas. “Cada paciente que sai de uma intubação e do risco de morte é extremamente gratificante.”
O médico Gerson Salvador, especialista em infectologia e saúde pública, reflete que, antes de 2020, havia uma discussão sobre a necessidade de um sistema público de saúde organizado, adequadamente financiado e com melhores recursos humanos, e da universidade pública e centros de pesquisa. “Estávamos no caminho certo. Agora, vivemos em uma epidemia de egoísmo, só que nesse contexto social não tem saída boa para o indivíduo”, enfatiza ele, que trabalha no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP), dá aula para a graduação e escreve o blog Linha de Frente, da Folha de S.Paulo.
Formado em Medicina pela USP, Gerson estava no segundo ano da residência em Infectologia no Hospital das Clínicas na época da pandemia do H1N1. “O HC recebeu os casos mais graves de São Paulo, então precisamos organizar o nosso serviço no setor. O principal aprendizado daquela época, falando como indivíduo, foi reconhecer a minha própria ignorância. Como profissionais, a gente aprendeu a lidar com pacientes e a ser críticos em relação às informações que recebemos. E isso fez total diferença agora na covid”, conclui.
“Estávamos no caminho certo. Agora, vivemos em uma epidemia de egoísmo, só que nesse contexto social não tem saída boa para o indivíduo”
Gerson Salvador, médico