A conversa sobre masculinidades exige cuidados. E se vamos falar sobre saúde mental e bem-estar dos homens, o primeiro desses é não invisibilizar ou subalternizar as pessoas que mais sofrem com os comportamentos nocivos atrelados a esses sujeitos: as mulheres.
Em 2015, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) constatou que o Brasil era o 5° país do mundo com maior índice de feminicídios e que, a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada em nosso território. Cinco anos se passaram e os números continuam substancialmente os mesmos. A cada 2 horas, uma mulher morre vítima de violência no país. Também somos o país que mais comete violência contra pessoas LGBTQIA+ no mundo — a cada 26 horas, é assassinada ou se suicida uma pessoa desse grupo não normativo, vítima da LGBTfobia, de acordo com o Mapa dos assassinatos de travestis e transexuais no Brasil, divulgado em 2017.
O segundo ponto de atenção é saber de quem estamos falando quando falamos do homem, no singular. A máxima que resume o masculino como gênero no poder não dá conta de explicar (ou faz questão de ignorar) a existência de homens trans e homens negros, por exemplo. A expectativa de vida de um transexual no Brasil é de apenas 35 anos. E se informações como homens morrem entre três a quatro vezes mais de suícidio, têm menor escolaridade e são a maior parte das vítimas de homicídio têm se notabilizado nas discussões sobre gênero, é preciso evidenciar que, no Brasil, os extremos têm raça. Enquanto os brancos povoam a maior parte dos indicadores positivos, negros ocupam as prisões e cemitérios.
“Existe um padrão hegemônico de masculinidade, de categorias de exclusão que determina atributos que um homem deve ter, como por exemplo, ser branco, heterossexual, cisgênero, forte, viril, sempre disposto ao sexo, que não expressa seus sentimentos, provedor, etc”
Fabio Sousa
“Essas relações de superioridade e poder também atravessam os homens. Existe um padrão hegemônico de masculinidade, que é estereotipado e traz características e comportamentos tidos como masculinos que devem ser performados pelos homens. É um padrão de categorias de exclusão que determina atributos que um homem deve ter para ser lido como homem na nossa sociedade, como por exemplo, ser branco, heterossexual, cisgênero, de classe social privilegiada, alto nível de instrução, forte, viril, sempre disposto ao sexo, que não expressa seus sentimentos, resolve todos os seus problemas sozinho, casado e com filhos, provedor de seu lar, etc”, enumera Fabio Sousa, terapeuta junguiano especialista em psicologia analítica e criador do coletivo Ressignificando Masculinidades. “Todas as outras formas de ser homem que não atendam a esse padrão são tidas como formas inferiores, menos homem”.
“Todas as outras formas de ser homem que não atendam ao padrão são tidas como formas inferiores, menos homem”
Fabio Sousa
A sensação de superioridade ou a necessidade de confirmar o pertencimento ao padrão hegemônico podem servir de combustível para que preconceitos, discriminações e violências persistam em um círculo vicioso de validação entre os pares. É o caso de parte dos assédios, por exemplo. Quando um homem assobia para uma mulher na rua, para além da certeza de impunidade, ele não vislumbra um sim da vítima. Ele espera que o colega ao lado pense “esse é macho mesmo, não deixa passar uma!”.
Dessa forma, para enfrentar números como os citados aqui, não adianta examinar apenas os efeitos do que convencionou-se idealizar como masculino. É preciso entender como esses comportamentos se constróem e são naturalizados, geração após geração, e agir para que não tenham mais lugar. A questão das masculinidades pode não ser a maior emergência que temos a enfrentar como sociedade, mas, certamente, estrutura e se faz presente em vários dos problemas urgentes que precisamos endereçar.