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Amor a dois, a três, a quatro…

Batemos um papo com João Oliveira, o Beto de "Lov3", nova série que fala sobre amores livres, sexualidade fluida e dilemas familiares

por Alexandre Makhlouf Atualizado em 4 mar 2022, 15h00 - Publicado em 23 fev 2022 02h07
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(Clube Lambada/Ilustração)

elacionamentos conturbados. Relações familiares complicadas. Reencontros amorosos. Pegadas casuais tão quentes que precisam ser repetidas. Tudo isso tem uma coisa em comum: amor. As interações e a forma como novas relações se constroem – e as antigas se adaptam aos tempos atuais – são o pano de fundo de Lov3, série brasileira original do Prime Video que estreou na última sexta-feira, 18. A produção conta a história de três irmãos: os gêmeos Sofia (Bella Camero) e Beto (João Oliveira) e Ana (Elen Clarice), paulistanos millennials que, ao perceber que o casamento tradicional dos pais não levou à felicidade que eles tanto almejavam, se recusam a viver o amor e as relações da mesma forma. Enquanto Ana tenta abrir o casamento para viver novas experiências e reacender a paixão com o marido, Sofia se vê no meio de um quadrisal, composto por outros dois caras e uma mulher, em que todos são bissexuais, transam e lidam com essa intimidade a 4.

Já Beto é, talvez, a figura mais interessante da série. O personagem de João Oliveira é um jovem gay que só sente atração por homens héteros – os famosos boys sigilo – que o dispensam. Sua jornada na série desperta uma mistura de pena, raiva, vontade de abraçar e alegria ao ver suas evoluções, quando começa a encontrar sua autoestima. “Se eu tivesse oportunidade de encontrar o Beto, diria para ele se valorizar. Porque, independente da relação com esse cara específico da série, valorizar-se vai trazer a potência que ele precisa pra viver. A gente não pode se subjugar tanto a ponto de que as pessoas nos reaprisionem em conceitos que a gente já se libertou”, conta o ator em entrevista à Elástica. 

“Recomendaria a ele Paul Preciado para que a gente lesse junto e debatesse. Lov3 traz esse conceito de que existem milhares maneiras de amar, algumas nem faladas ainda por nós. Por isso, diria para o Beto se valorizar porque ele ainda nem sabe o amor que está por vir pra ele, mas que não é algo que ele vai achar com esse cara que não o merece. Toda relação precisa de respeito, comprometimento e responsabilidade.”

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(Prime video/Divulgação)

O fantástico mundo de Beto

João tem uma intimidade com Beto, seu personagem, que transparece mesmo ao conversar com ele por videochamada. Fala devagar sobre o quanto aprendeu com o personagem e como dar vida a esse cara cheio de questões relacionadas a autoestima e autoimagem foi muito mais complicado, por exemplo, do que as cenas quase explícitas de sexo. E isso acontece mesmo que atuar seja algo que se confunde com a trajetória de João, já que, dos 26 anos de vida, ele soma 21 de carreira. Começou pequeno, no programa Gente Inocente, da TV Globo, e de lá para cá foram peças de teatro, novelas, filmes e, agora, a primeira série para o streaming – já como protagonista. 

“Foram horas de investigação, de pesquisa. Uma das cenas mais emblemáticas é a da transformação do Beto na boate, é um momento de empoderamento, quando você vê as fragilidades entrando em contato com aquelas energias na rua. Apaixonar-se, ser negado, tentar de novo, ser negado de novo, ser desejado. As cenas em que ele briga com os irmãos também. Todas tiveram um grau de dificuldade”, lembra.

“O Beto é o personagem em que precisei de mais responsabilidade, é um protagonista. Independente disso, acredito que não exista papel pequeno. Para mim, cada personagem só se conclui entre o sofá e a tela, ou entre o palco e a poltrona. É nessa hora que a gente entende como aquilo que a gente construiu afeta o público”

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(Rael Barja/Divulgação)
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O personagem é, para ele, o maior desafio da carreira até agora. “Acho que o maior desafio sempre está no presente, mas o Beto é o personagem em que precisei de mais responsabilidade, é um protagonista. Independente disso, acredito que não exista papel pequeno. Para mim, cada personagem só se conclui entre o sofá e a tela, ou entre o palco e a poltrona. É nessa hora que a gente entende como aquilo que a gente construiu afeta o público.”

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(Prime video/Divulgação)

Toda forma de amor

Com apenas seis episódios, Lov3 deixa algumas pontas soltas na história e isso parece ser proposital, abrindo caminho para uma possível segunda temporada, ainda não confirmada pelo Prime Video. E, ainda que existam algumas questões de roteiro que poderiam melhorar para a continuação, é preciso reconhecer a importância de uma série que, em pleno Brasil 2022, fala sobre a fluidez das relações, a liberdade de ser, a crueza das relações familiares e a possibilidade de explorar a própria sexualidade. “Já morei fora do país e é louco ver esse lado ultrapassado do Brasil que vivemos hoje. Em 2022, ninguém mais deveria sentir medo de sair na rua pra comprar pão, como o Vyni, do BBB, falou. Precisamos colocar essas novas histórias no centro do debate. As pessoas precisam poder ser quem elas querem e podem ser. Ninguém tem o direito de interferir”, continua João.

Para o ator, todas essas discussões acontecem naturalmente no dia a dia – e ele sabe o quão fora da curva isso é no cenário nacional. “Vejo essa fluidez nos meus amigos, nos meus amores, essas discussões já são parte do nosso crescimento. Mesmo assim, conhecer as especificidades do Beto me atravessou muito: ele nunca teve uma questão em sair do armário, os pais dele não têm problema com isso, e estamos elevando a discussão ao trazer para os holofotes que ele sente desejo em alguém que repele ele”, pontua. Criado em uma família progressista e com diversos outros artistas, ele reflete sobre como sua geração vem naturalizando um amor mais livre e desapegado. 

“Conhecer as especificidades do Beto me atravessou muito: ele nunca teve uma questão em sair do armário, os pais dele não têm problema com isso, e estamos elevando a discussão ao trazer para os holofotes que ele sente desejo em alguém que repele ele”

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(Prime video/Divulgação)
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“Não temos mais tempo para dureza, e sim para a fluidez. Tenho amigos héteros que beijam e transam com meninos sem que que isso seja transformado em bissexualidade. O afeto não é estático, as pessoas se atravessam independente de orientação. A gente está num país muito duro, que mata pessoas, é uma discussão assustadora para mim como jovem. Precisamos trabalhar nessa desigualdade, que além da social, é essa de entendimento. Saber que parte do meu trabalho está nesse lugar de debate, de esgarçar possibilidades  desse Brasil que tem proporções continentais e discussões medievais, é muito gratificante. Gosto de poder equilibrar com o mundo graças aos streamings. Isso ajuda a diminuir as estatísticas assustadoras sobre quem está à margem.” 

E caso tenhamos, num futuro breve, uma continuação para história de Beto, o que João gostaria que o personagem vivesse? Antes de dizer as expectativas, ele já adianta que deseja que o relacionamento tóxico-no-sigilo não tenha mais espaço. “Gostaria de ver o Beto em sua plenitude, com mais autoestima, porque isso faz a pessoa se amar mais para que possa ser amado, são coisas que se retroalimentam. Também gostaria de vê-lo mais perto do trisal e ver mais a intimidade familiar, mais cenas com os irmãos e com os pais. Mas isso são quereres do João. Como eu disse: meu trabalho só termina entre o sofá da sua casa e o que você está vendo. Espero que Lov3 traga famílias abrindo cabeças, amando seus filhos, abraçando afetos diferentes. Afinal, o Brasil precisa de muitas novas formas de amor.”

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