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Existe o nude aceitável no Instagram?

Bloqueio de contas, denúncia e exclusão de ensaios de seminudes com modelos negras plus sizes deixam dúvidas sobre as políticas da plataforma

por Camila da Silva Atualizado em 22 fev 2021, 13h14 - Publicado em 18 fev 2021 23h49
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(Clube Lambada/Ilustração)

otos alegres, uns em praias, outros em isolamento. Algumas fotos em trabalhos, uma propaganda e, enquanto o dedo segue a rolagem na tela, um registro íntimo de uma pessoa, um corpo nu. Qual é a imagem que vem à sua mente? Pois bem, o Instagram já deu alguns exemplos do que não quer mostrar pra você. Na teoria, a plataforma nunca permitiu a nudez e nem pretende expor essas imagens no seu feed, mas a prática mostra uma matemática desigual dos corpos expostos e dos corpos escondidos entre os algoritmos.

O trabalho de Milena Paulino foi um dos muitos bloqueados pela plataforma. Olhando por outra estética, em busca de novos olhares sobre pessoas gordas, a fotógrafa de Itaquaquecetuba, região periférica da Grande São Paulo, divulga seu trabalho no Instagram, no que define o corpo natural, nu e livre. O bloqueio da sua primeira conta aconteceu em 2019.

Como as fotos seguiam as diretrizes de uso da plataforma na época – leia-se sem expor as genitálias de nenhuma das pessoas fotografadas e seios femininos –, ela pediu respostas ao Instagram. O retorno veio: a conta tinha sido retirada por engano. Mas, com menos de uma semana, o trabalho foi excluído da rede. Na época, ela já contava com mais de 60 mil seguidores. Desde então com uma nova conta, @olhardepaulina_, ela ainda recebe denúncias classificadas como conteúdo impróprio. Nas últimas semanas, mais uma foto foi retirada, dessa vez por não respeitar as diretrizes, especificamente por expor um seio feminino.

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E por que o nude? Para Milena, um dos trabalhos, o projeto ‘Nus Cômodos’, representou cura. Afinal, como encontrar alguém de confiança para fazer um ensaio artístico sem se sentir julgada? A confiança na humanização do seu corpo enquanto uma mulher gorda. Que não a colocasse, por exemplo, em um lugar de tentar deixá-la magra para a foto. O projeto tem como meta, segundo a autora, trazer o nu como a linguagem de um corpo que conta histórias. “A finalidade é ser exposto na internet, para incentivar que as pessoas continuem consumindo arte, que a nudez continue sendo naturalizada e humanizada, e que os corpos continuem sendo representados em seu estado mais natural, nu e livre. Mesmo em quarentena. Principalmente em quarentena.”

“A finalidade é ser exposto na internet, para incentivar que as pessoas continuem consumindo arte, que a nudez continue sendo naturalizada e humanizada, e que os corpos continuem sendo representados em seu estado mais natural, nu e livre. Mesmo em quarentena. Principalmente em quarentena”

Milena Paulino
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A discussão atravessa os oceanos e é colocada em xeque no mundo inteiro. Em 2017, as responsáveis por pesquisar qual era o perfil de foto removida da plataforma foram Arvida Byström, fotógrafa e artista sueca, e Molly Soda, artista digital de Porto Rico. O resultado foi o livro “Se você não fotografou, não aconteceu: imagens banidas do Instagram”.

O resultado não chocou. A maioria das fotos removidas do Instagram na época eram femininas, também de mulheres negras e trans, caracterizando o que as autoras classificaram como “censura moderna”. No compilado, não foram só os nudes alvos da remoção. Publicações da poeta Rupi Kaur abordando a menstruação feminina também foram excluídas da plataforma. Em uma das fotos, a poeta estava completamente vestida e, na outra, sequer tinha um corpo: era apenas a imagem de um celular com a mensagem: ‘Você não depila as pernas?’; ‘Oi?’; “Desculpa, eu não quis dizer isso. Foi só curiosidade”.

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(Lele Martins/Reprodução)

Seja bem-vinda ou retire-se?

Nesses 11 anos de vida do Instagram, as regras na plataforma foram ganhando mais especificações. As diretrizes de uso nunca permitiram nudez. Mas existem algumas exceções, como: fotos de cicatrizes causadas por mastectomia, de mulheres amamentando ou segurando os seios – o famoso topless – são permitidas. Nudez em imagens de pintura e esculturas também.

Essas mudanças não vieram por acaso. Foi Nyome Nicholas-Williams, modelo negra plus size do Reino Unido, a responsável pela mobilização que causou a mudança de política da plataforma no ano passado – ela teve uma sessão de fotos que tinha como tema aceitação corporal excluídas da plataforma.

Com a alegação de que a nudez não era permitida naquele espaço, Nyome contrapôs o argumento ao mostrar fotos de mulheres, modelos brancas, que tinham nudes e seminudes postadas, com poses semelhantes à da publicação excluída. O primeiro resultado foi o movimento #IWantToSeeNyome que recebeu apoio global. Aqui no Brasil, Taís Araújo, Cacau Protásio e Lucy Ramos apoiaram a modelo.

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Na época, a plataforma alegou que a regra anterior não permitia as fotos de mulheres ‘agarrando’ os seios por relacionar-se à conteúdo pornográfico. A movimentação de Nyome mudou essa permissão. “A esperança é de que esta mudança de política traga um fim à censura de corpos negros e gordos”, ela disse, na época.

A mudança ocorreu especificamente na política chamada de breast squeezing, que é o ato de apertar o seio. Abraçar, segurar ou acariciar os seios agora é permitido. “Reforçamos, no entanto, que imagens que contenham seios sendo apertados, em um movimento de agarrar com os dedos dobrados e onde há uma clara alteração no formato dos mesmos, continuam violando as nossas políticas e serão removidas”, explica um porta-voz da plataforma à Elástica.

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“O caso dela foi uma vergonha porque, mesmo que eu olhe uma das imagens em que ela está de olhos fechados, apalpando os próprios seios, e diga que há sensualidade, você deve ter bilhões de imagens iguais vinculadas no Instagram e que não foram retiradas”, aponta Clotilde Perez, professora de Ciências da Comunicação da USP, semioticista e pesquisadora nas áreas de cultura, consumo e publicidade.

Os caminhos para barrar as imagens começam sendo questionadas,pelo simples fato do que é um nude ou um seminude. “No seminude, a gente está falando de uma parte coberta e uma parte descoberta. Bom, então quais partes eu posso descobrir e quais partes eu posso cobrir?”. Sem essa resposta, a especialista ressalta que os critérios para avaliação se tornam subjetivos, pessoais. “É mais um nível de julgamento, porque é sobre uma regra, o que pode e o que não pode. E quando você fala de Instagram, você fala de uma empresa norte-americana que tem uma moral muito própria. A cultura americana define o padrão moral para o mundo? Por enquanto é, porque é ela que pode derrubar”

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“É mais um nível de julgamento, porque é sobre uma regra, o que pode e o que não pode. E quando você fala de Instagram, você fala de uma empresa norte-americana que tem uma moral muito própria. A cultura americana define o padrão moral para o mundo? Por enquanto é, porque é ela que pode derrubar”

Clotilde Perez

O Instagram classifica a nudez pelas seguintes situações:

Genitália visível, exceto no caso de parto e outros momentos pós-parto ou situações relacionadas à saúde (por exemplo, cirurgia de confirmação de gênero, exame para prevenção/diagnóstico de câncer ou outras doenças);

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Nus visível e/ou imagem aproximada das nádegas completamente despidas, salvo se a imagem tiver sido manipulada em uma figura pública;

Mamilos femininos descobertos, salvo no contexto de amamentação, parto e momentos pós-parto, situações relacionadas à saúde (por exemplo, mastectomia, conscientização sobre o câncer de mama ou cirurgia de confirmação de gênero) ou um ato de protesto.

Nesta última, não há ponderações sobre a exposição dos mamilos masculinos.

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(Milena Paulina/Reprodução)

‘Conteúdo Impróprio’: Porque meu corpo te incomoda?

A definição do certo e errado, do ‘agradável aos olhos’, explicada por Clotilde, também permeia os comentários dessas imagens. A blogueira brasileira Mel Soares, de 38 anos, além de ter tido sua imagem denunciada e removida da plataforma ano passado, foi alvo de comentários gordofóbicos ao republicar a postagem.

“Nude traz like, mas eu não quero ser a blogueira pelada mesmo que eu possa ser! Meu conteúdo aqui vai além do ego”, diz Mel. Apesar dos ataques na foto que foi a mais vista naquele ano, o trabalho como influenciadora digital, no qual acumula 249 mil seguidores somente no Instagram, proporcionou oportunidades com grandes marcas e a criação da sua própria coleção de roupas plus size.

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No discurso de ódio que permeia esse tipo de imagem, alguns comentários se repetem: “Ah, você reclama sobre assédio, mas posta um nude e não quer ser assediada”. A relação entre a hiperssexualização e autoaceitação ao publicar essa imagem foi tema do estudo Corpo para contar histórias e a produção [de imagens] de si: Exposição em questão da [semi]nudez online, da antropóloga Barbara Mendes Lima, publicado em 2019 pela UFSC.

“Isso sempre incomoda e alguns corpos incomodam mais do que outros e geram mais esse tipo de reação. É muito importante notar que esse tipo de comentário não é feito quando é uma mulher em uma capa de revista”, ressalta Barbara.

“Nude traz like, mas eu não quero ser a blogueira pelada mesmo que eu possa ser! Meu conteúdo aqui vai além do ego”

Mel Soares
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Mas, para as mulheres que integraram o estudo, o mais importante neste contexto é o controle de como querem expor seus próprios corpos. A autoria. “É fugir de um olhar masculinizado, principalmente pensando sobre a representação habitual da mulher nas mídias tradicionais”.

A blogueira botafoguense, Alessandra Martins, conhecida como @blogueirapcd, já teve algumas fotos denunciadas e conseguiu reverter a decisão antes da imagem ser removida. Assim como no caso mencionado da poeta Rupi Kaur, ela também estava vestida. Desta vez, a ‘política imprópria’ era sobre a composição do bíquini e exposição da sua deficiência, a perna amputada.

“As pessoas têm um padrão de imagem de como é um corpo com deficiência, que é totalmente impossibilitado da ideia de sexualidade. Então, o olhar para esse corpo é quase de nojo”. Martins, hoje é uma das referências nas redes quando o assunto é beleza, capacitismo e vivência das pessoas pretas com deficiência.

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“Eu sempre me questionei em quem é colocado esse discurso de hiperssexualização. Meu corpo nunca foi colocado minimamente como oportunidade de ser sexualizado, é um corpo que sofria total dessexualização. É a pessoa gorda que era no máximo uma amiga da menina que as pessoas queriam ficar”.

A possibilidade de ser vista como sexy e principalmente, de não precisar se esconder atrás de saias longas e blusas pretas, é mencionada como uma vitória, e é também parte do processo de humanização. “Eu ainda prefiro acreditar muito que é muito mais sobre coragem, empoderamento, força, sobre conseguir inspirar outras pessoas a mostrarem seus corpos. É mais um ato político, do que um lugar de hiperssexualização, quem faz esse lugar é um grupo muito pequeno se comparado ao tamanho das pessoas que podem se sentir inspiradas por aquelas fotos”.

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(Nyome Nicholas/Reprodução)

Tem alguém ganhando com isso?

Imagens femininas com nudez ou seminudez tem 54% mais chance de aparecer na rede. Foi o que mostrou a pesquisa Despir-se ou fracassar: o algoritmo do Instagram é um instrumento forte para que os usuários mostrem a pele, publicada em junho de 2020 pela organização Algorithm Watch.

A especialista Clotilde Perez é enfática ao observar estes ganhos. “É inevitável que tenha alguém ganhando, porque a gente está falando de uma plataforma que ganha com a monetização, ou seja, mais seguidores significam mais ganhos”. O Instagram alcançou em 2018 mais de 1 bilhão de usuários ativos por mês – o Brasil é o terceiro país no ranking de usuários. Os números são do portal alemão de análise de dados Statistica e foram publicados neste ano.

No entanto, nesse cálculo, sai na frente quem já tiver apelo midiático. O cantor sertanejo Zé Neto ganhou mais de 200 mil seguidores após uma foto de sunga ter sido removida do Instagram no ano passado. “Quando a gente fala de volume de seguidores, a gente está falando também de monetização. Da própria plataforma, que é uma empresa de capital aberto lucrativo, e de quem está postando”, avalia Clotilde. Sendo um artista, a repercussão afeta também no apelo visual e por sua vez na maior exposição da pessoa e das marcas que representa.

“É inevitável que tenha alguém ganhando, porque a gente está falando de uma plataforma que ganha com a monetização, mais seguidores significam ganhos”

Clotilde Perez

Já no caso da fotógrafa Milena Paulino, por exemplo, mesmo completando dois anos com o @olhardepaulina_, a recuperação dos 60 mil seguidores que acompanhavam seu trabalho na conta antiga não foi completa – hoje, ela conta com 40 mil pessoas em seu perfil.

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(Milena Paulina/Reprodução)

Bastidores da remoção: as regras do Instagram

O principal argumento colocado pela plataforma é a falta de controle de como esse nude ou seminude pode ser usado. Uma foto como um ato de protesto se tornar alvo de fetichização, por exemplo. “Nossas políticas a respeito de nudez ficaram mais flexíveis com o passar do tempo. Entendemos que a nudez pode ser compartilhada por variadas razões, inclusive como forma de protesto”, explica. Além disso, a possível exposição para crianças e jovens menores de idade é pontuada.

No total, são 30 mil revisores de conteúdo que trabalham para a plataforma. A análise para a remoção, passa antes deles pela Inteligência Artificial (IA) do Facebook. Tanto a IA quanto os revisores seguem as normas que são chamadas de Padrões de Comunidade.

Quem desenvolve esses padrões são os funcionários do setor de política de conteúdo do Facebook. “Temos funcionários em 11 escritórios em todo o mundo, incluindo especialistas no assunto em questões como discurso de ódio, segurança infantil e terrorismo”, menciona a plataforma. Questionamos quem são esses especialistas mas, por questões de segurança, essa identidade não é revelada.

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(Mel Soares/Reprodução)

Como a foto é de fato removida?

A foto pode ser identificada pela Inteligência Artificial da plataforma ou através de denúncias que violam esses Padrões de Comunidade. Depois, ela pode ser excluída diretamente pela Inteligência Artificial. Em todos os casos, desde 2018, existe a opção de recorrer à decisão. A revisão da imagem, nestes casos, é feita, de acordo com a plataforma, sempre por uma pessoa.

Seja por meio de IA ou denúncia, as fotos são enviadas por relatório para os revisores avaliarem uma por uma. “Esses relatórios são analisados ​​por nossa equipe de Operações Comunitárias, que trabalha 24 horas por dia, 7 dias por semana, em mais de 40 idiomas”, explica o porta-voz.

Além dos revisores especializados em cada tipo de violação (nudez, segurança, terrorismo etc.), auditores podem intervir na averiguação ou até mesmo os especialistas da equipe de “Escalações de Operações da Comunidade”. “As equipes que trabalham em segurança e proteção no Facebook são agora mais de 30 mil pessoas. Cerca de metade dessa equipe são revisores de conteúdo – uma mistura de funcionários em tempo integral, contratados e empresas com as quais temos parcerias.”

“As equipes que trabalham em segurança e proteção no Facebook são agora mais de 30 mil pessoas. Cerca de metade dessa equipe são revisores de conteúdo – uma mistura de funcionários em tempo integral, contratados e empresas com as quais temos parcerias”

Comunicado do Instagram
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Em casos de denúncias, a plataforma explica que a postagem é encaminhada automaticamente para uma equipe de revisão de conteúdo com base no idioma ou tipo de violação. A análise, além dos detalhamentos, também envolve o contexto e verificação de legenda e/ou comentários.

Sobre os casos da blogueira Mel Soares e do cantor Zé Neto, abordados na reportagem, uma porta-voz responsável disse, em nota, “Cometemos um erro e pedimos desculpas. A publicação foi restaurada dias após a remoção”.

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