No ar na novela "Cara e Coragem" – e em três streamings diferentes –, a atriz e criadora de conteúdo quer mais do que representatividade trans
por Alexandre Makhlouf
8 jun 2022
02h11
aso você nunca tenha ouvido falar no nome Gabriela Loran, nossa primeira indicação é checar se o modem da sua casa está funcionando e ligar na sua operadora de TV para ter certeza de que o sinal está ativo. Estamos brincando, claro, mas não muito. Além de acumular milhares de seguidores nas redes sociais – Instagram, YouTube e TikTok, com produção criativa e original para cada plataforma –, a atriz e criadora de conteúdo está no ar em cinco canais diferentes de televisão e streaming. Não, não é força de expressão. Se quiser conferir o trabalho de Gabriela, basta sintonizar na TV Globo, na GloboPlay, no Canal Brasil, na Amazon Prime ou na HBO Max. “Eu quero sempre mais, nunca estou satisfeita”, ela conta, com uma firmeza na voz que você não encontra por aí.
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Gabriela saiu definitivamente do anonimato quando se tornou a primeira mulher trans a atuar em Malhação, no ano de 2018. Ela deu vida a Priscila, personagem que também era trans e seguia a nova proposta do folhetim, que era de abordar temas espinhosos como transfobia com uma linguagem especial para o público jovem. Gabriela foi pioneira, sim, mas também a última mulher trans a participar de Malhação, que foi cancelada depois de mais de duas décadas no ar. “Somos a última geração dos primeiros. O que eu quero é chegar nesses lugares, olhar pro lado e ver pessoas como eu. Quero poder atuar com outra atriz trans, ser dirigida por uma diretora trans, filmada para uma câmera girl trans, interpretar um roteiro escrito por uma pessoa trans ou uma pessoa não binária”, ela explica.
“Somos a última geração dos primeiros. O que eu quero é chegar nesses lugares, olhar pro lado e ver pessoas como eu. Quero poder atuar com outra atriz trans, ser dirigida por uma diretora trans, filmada por uma câmera girl trans”
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A passos de formiga, a sociedade vai evoluindo e a representatividade trans no cinema e na TV vai aumentando. Mas não na velocidade de Gabriela. Como a própria declara, ela tem fome de mais. E entrega um trabalho excelente em tudo que se propõe. A última conquista é o papel de Luana em Cara e Coragem, novela das 19h que estreou na última semana, no dia 30 de maio. Gabriela interpreta a secretária da personagem de Taís Araujo e faz parte de um núcleo predominantemente negro. “Contraceno com Cláudia de Moura, Ícaro Silva, Taís Araújo, Jeniffer Nascimento. Eles compõem uma família de pretos ricos, pretos no poder. Você tem noção do que é ver isso numa novela, a potência? Se não me engano, é a primeira vez que tem uma família preta bem estruturada, que não passou por violência… Isso é muito potente pra mim. Até porque eu não quero só estar lá, quero poder ter uma carga dramatúrgica lega”, explica.
Família é base
Falar sobre os laços familiares, aliás, é algo que Gabriela preza muito. Em suas redes sociais, não é raro vê-la ao lado do pai ou da mãe para responder comentários transfóbicos ou mostrar que sua relação familiar é bonita, uma espécie de inspiração e lembrete para outras pessoas trans que a assistem. Mesmo nunca tendo faltado amor, a atriz e a família já passaram por dificuldades. Antes da fama, quando sua paixão pelo teatro tinha acabado de ser despertada, na adolescência, Gabriela encarou períodos de escassez.
“As pessoas me vêem alcançado grandes espaços, mas não sabem da minha história. Já passei fome, fiz vários espetáculos teatrais sem receber um centavo, não tinha dinheiro pra pagar meu aluguel. Teve período da minha vida em que fazia uma refeição por dia, tive que roubar maçã do cenário da peça pra poder não passar fome. Foram difíceis? Sim, mas coloquei isso como degrau para que eu subisse cada vez mais, porque eu sempre tive meu propósito”, ela lembra.
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Hoje, isso são águas passadas. Enquanto você lê essa entrevista, Gabriela está realizando um sonho: construir a casa dos pais. Um sonho de muitos, aliás, porque ela quer mais. Sim, é a terceira vez que falamos isso, mas o motivo é a fome de Gabriela. Na sua lista de metas, temos a maternidade, o Oscar e a graduação em psicologia – atualmente, ela está no quarto período. Nós conversamos com a atriz sobre seu trabalho de atriz e de criadora de conteúdo, seu ativismo nas redes sociais, suas metas para o futuro e mais.
“As pessoas me vêem alcançado grandes espaços, mas não sabem da minha história. Já passei fome, fiz espetáculos teatrais sem receber um centavo, tive que roubar maçã do cenário da peça pra poder não passar fome”
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Você se entendeu como criadora de conteúdo durante a pandemia e cresceu muito nas redes. Como tem sido a recepção das pessoas agora quando você as encontra na rua? No final do ano passado, passei o Réveillon em João Pessoa, depois fui para Salvador e voltei pro Rio. Esse foi um dos primeiros períodos em que comecei a sair mesmo em público. Eu já tinha feito Malhação, já tinha relevância, mas uma ou duas pessoas me paravam na rua quando eu saía. Nessa última viagem, no mínimo, umas 10 pessoas me abordavam por dia. E não só pessoas que me conheciam como Gabriela, mas também pessoas que não sabiam meu nome, mas falavam “poxa, você é famosa, né? Você é aquela menina do TikTok”.
Hoje, morando no Rio, quando vou pra Lapa, ouço as pessoas falando: “meu Deus, aquela é a Gabriela” ou então “olha, Gabriela, admiro muito seu trabalho, gosto muito de você, tô feliz que você tá na novela”. Ainda soa estranho, mas ao mesmo tempo é muito gostoso.
Por quê? Como eu escolhi trabalhar com internet também – e você sabe como é meu conteúdo –, recebo muito hate também. E eu comecei a postar esses haters porque, quando a gente fala “a sociedade é homofóbica, é transfóbica, é machista”, a gente fala sobre uma massa. E aí não vê rosto, não sabe quem é. E eu tô cansada de só abrir um vídeo e falar, ou escrever textão. Quem é essa sociedade? É o Bruno, que me xingou, é a Pâmela, que tem CPF, que tem endereço, que tem cara, nome, tudo. Então, quando eu comecei a receber esse monte de hater, falei: “Quer saber? Agora vou começar a postar a cara deles”. E fiz isso, marquei eles. Meus seguidores iam em peso no perfil da pessoa. Dois minutos depois, lá estava o hater no inbox.
Então, essa vai ser minha comunicação não-violenta a partir de agora. Começar a pegar esses nomes, essas caras que usam seu próprio perfil, e expor. Porque tem muito fake também… Mas essas pessoas que eu encontro na rua e falam que admiram meu trabalho são meio que um abraço que me coloca na direção certa.
Você como lida com esse ódio todo, mas o que você faz quando precisa recarregar as baterias? Uma coisa muito importante que eu descobri é a rede de apoio. E a minha maior rede de apoio hoje é a minha família, que são meus sobrinhos, minhas irmãs, meus amigos próximos. Essa é a minha rede de apoio, essa é a opinião que vale pra mim.
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Então, não vai ser qualquer pessoa que vai falar “olha, Deus criou homem e mulher e você não é a mulher” e vai me abalar. Isso não diz respeito a mim, isso fala mais sobre a pessoa com os problemas dela, os preconceitos dela, coisas não resolvidas com ela mesma, que se incomoda em me ver em ascensão. Em me ver feliz em ser quem eu sou. É isso que incomoda as pessoas. Não fico com nada do que não é meu. E esse ódio não é meu. Nós, pessoas trans, não criamos a transfobia. Então, se não criei isso, não tenho que lidar com essa responsabilidade. Infelizmente, a transfobia age sobre a minha existência, mas não é um problema meu, não sou obrigada a cuidar da expectativa das pessoas. Ao mesmo tempo, quando recebo esse tipo de comentário, chamo meu pai para gravar comigo e ele fala “tenho orgulho de ter uma filha trans”. Acaba sendo muito bonito por causa disso, sabe?
O que a gente não pode esquecer é que internet não é terra sem lei. E que transfobia, até mesmo na internet, ou outros crimes, como racismo, também são crimes e a gente tem que denunciar. Tem que pegar, printar, copiar, juntar toda a munição possível e levar na justiça, na delegacia mais próxima e processar mesmo.
“Nós, pessoas trans, não criamos a transfobia. Então, se não criei isso, não tenho que lidar com essa responsabilidade. Infelizmente, a transfobia age sobre a minha existência, mas, não é um problema meu, não sou obrigada a cuidar da expectativa das pessoas”
Recentemente, saiu uma notícia sobre Cara e Coragem, novela em que você está no elenco, de que a Iza e o Emicida se recusaram a gravar o tema da novela por ser uma música do Lobão, que é um artista declaradamente de direita, ainda que atualmente bolsominion arrependido. Enquanto mulher preta, militante, como que você vê essa escolha de trilha sonora e esse posicionamento da Iza e do Emicida? Ainda dá pra conversar sobre separar artista da obra? A gente tem que pensar que a democracia existe, né? E que precisamos lutar pelos nossos direitos. Obviamente sou contra esse governo que existe hoje, porque ele é declaradamente contra tudo em que eu acredito. Mas confesso que nem sabia dessa fofoca, tô sabendo agora.. (risos). Eu defendo e apoio a decisão desses artistas porque acho que é importante. Não dá mais pra gente se calar, estar na metade do muro. Acho que chega um momento em que a gente tem que se pronunciar, até mesmo pra que o Brasil mude. A democracia é representação de todos, não é? Eu quero me ver representada lá. Acho que é importante a gente respeitar a opinião do outro, desde que essa opinião não vá contra os direitos humanos e a vida de outras pessoas. O Estado é laico e a gente não pode misturar religião com política. Quando olho pra aquela bancada e não me vejo representada ali, obviamente que tenho que expor a minha opinião e lutar pra que eu possa me ver ali também.
Vamos falar mais um pouco de Cara e Coragem: como foi a preparação e o convite para viver a Luana? Esse presente veio no final do ano passado. Recebi uma mensagem dizendo que a Natália Grimberg estava me convidando pra viver essa personagem. Ainda não sabia muito da novela, mas o que eles me passaram é que era uma secretária da empresa. Que ela não tem um arco histórico, mas é muito importante na trama por conta do cargo que ela representa e das pessoas que ela lida. A personagem da Taís Araújo morre, então tem toda uma busca para saber o que aconteceu. E, como secretária da Taís Araújo, exerço um cargo de muita responsabilidade, porque eu via tudo, sabia quem entrava e saía da empresa.
Mas, cara, olha que presente o meu núcleo dramatúrgico: Cláudia de Moura, Ícaro Silva, Taís Araújo, Jeniffer Nascimento. Eles compõem uma família de pretos ricos, pretos no poder. Você tem noção do que é ver isso numa novela, a potência que é? Se não me engano, é a primeira vez que tem uma família preta bem estruturada, que não passou por violência… Isso é muito potente pra mim. Até porque eu não quero só estar lá, quero poder ter uma carga dramatúrgica legal, entregar uma personagem legal. Estou tendo uma liberdade legal, com texto também legal, mas eu quero sempre mais, eu nunca estou satisfeita.
“Meu núcleo em ‘Cara e Coragem’ é uma família de pretos ricos, pretos no poder. Você tem noção do que é ver isso numa novela? Se não me engano, é a primeira vez que tem uma família preta bem estruturada, que não passou por violência… Isso é muito potente pra mim”
E você vai de secretária a chefe de gabinete em Arcanjo Renegado, série que tem uma trama de violência, uma trama política bem importante. Qual é a importância de falar sobre esse tema na série? Esse foi outro grande presente na minha vida. Agradeço insaciavelmente o José Júnior pelo convite também, pela oportunidade de viver a Giovana. Na história da TV brasileira, é a primeira personagem trans com cargo de poder tão alto, chefe do gabinete da presidente da Alerj – que é nada mais, nada menos que Cris Vianna. A primeira vez que vi a Cris, fiquei extasiada. Não só ela, mas a Zezé Motta também, que fazia parte do meu núcleo. Então, quando vejo essas mulheres, que eu vi criança na televisão, e estou atuando ao lado delas, podendo me entregar…Fora que é impossível não fazer uma analogia com a Marielle também, lembrar de sua importância. Então, estou muito ansiosa pra terceira temporada, já quero começar a gravar.
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Qual sua parte favorita de interpretar a Giovana? Além da responsabilidade que a personagem tem, gosto da trama porque ser trans não é uma questão para ela. Costumo dizer que quero muito ganhar o Oscar um dia. Eu preciso ganhar o Oscar porque, se eu escolhi ser atriz, porque ele é o maior prêmio de atuação do mundo. E por que eu não poderia ganhar um? Eu quero, mas ainda é muito difícil, porque não escrevem personagens pra mim, personagens com possibilidade de levar um Oscar.
Eu tenho fome de mais. Mas, no Brasil, a gente está limitado em relação a isso. Arcanjo Renegado e Cara e Coragem têm personagens que fogem desse estereótipo estabelecido pra nós, mulheres trans. Poxa, não quero falar só de banheiro, só se eu sou trans ou não. Quero, por exemplo, ganhar uma personagem onde eu tenha herdado muito dinheiro e o dilema dela seja como vou gastar tudo. Quero uma personagem que fale sobre relacionamento abusivo, uma que seja uma cirurgiã muito famosa. E entender quais são os desdobramentos dessas personagem nessas novelas, filmes ou peças de teatro. É disso que eu sinto falta. Estamos avançando muito, mas, ainda assim, ainda estamos limitados em relação à dramaturgia. Então eu, enquanto atriz, faço esse apelo pra que a gente tenha mais possibilidades. Não só no universo trans. Quero viver personagens trans também, mas que sejam mais complexas, assim como eu sou tão complexa quanto qualquer outra pessoa.
No ano passado, a Lina disse, em uma entrevista para nós, que: “A representatividade não pode ser uma cama elástica, onde você só pula sem sair do lugar. Ela tem que ser um trampolim, para que as pessoas trans alcancem lugares diferentes”. Queria saber como você equilibra essa necessidade e essa vontade de alcançar novos espaços com a importância de ainda ter que falar repetidamente sobre algumas coisas? Eu não quero ser referência pra ninguém. Na verdade, até quero, mas não ser referência sozinha, a verdade é essa. Quando dizem “ah, a Gabriela é o exemplo de mulher trans”, minha resposta é não, não sou exemplo de nada, nem posso ser. É desleal representar uma sigla ou uma população tão diversa quanto a das pessoas trans. Isso que a Lina falou vai muito de encontro com o que penso.
Escutei uma fala recentemente que diz: “Nós somos a última geração dos primeiros”. Fui a primeira atriz trans de Malhação – e infelizmente fui a última, porque não teve outra. Mas eu quero chegar nesses lugares, olhar pro lado e ver pessoas como eu também. Quero poder atuar com uma outra atriz trans, ser dirigida por uma diretora trans, quero ser filmada para uma câmera girl trans, interpretar um roteiro escrito por uma pessoa trans ou uma pessoa não binária.
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É muito difícil carregar a bandeira o tempo inteiro, é cansativo. Porque, querendo ou não, adoece a gente. E as pessoas deturparam muito o significado de militância. Quando penso em tudo isso – que meu corpo é político, minha voz é política – me sinto cansada de lutar o tempo inteiro. Nós, pessoas trans, não somos feitas só de luta e só de dor. Tenho muitas conquistas e quero conquistar ainda mais. Mas, ainda assim, preciso que pessoas abram mão de seus privilégios, que pessoas confiem e acreditem no potencial de mulheres trans e pessoas trans.
“Eu não quero ser referência pra ninguém. Na verdade, até quero, mas não sozinha. Quando dizem ‘a Gabriela é o exemplo de mulher trans’, minha resposta é não, não sou exemplo de nada. É desleal representar uma sigla ou uma população tão diversa quanto a das pessoas trans”
E isso infelizmente ainda está longe de acontecer, certo? Sim, mas a gente não tem outra opção a não ser tá aqui. Quando estou cansada, exausta no sofá, não quero produzir conteúdo, penso: “Eu preciso produzir conteúdo porque acho que é importante ser vista”. Nosso debate não é mais sobre banheiro, é sobre equidade. E não é só ter uma única trans, “vamos chamar a Gabriela porque a ela já trabalhou aqui na casa”. Vamos chamar a Gabriela, mas por que a gente não chama também a Verônica? A Ana Paula? A Luciana Porto? É consumir, impulsionar, falar sobre os espaços. Essa visibilidade é importante porque faz com que a nossa voz seja ecoada.
Vou te dar um exemplo tenho vídeos que chegam a 4 milhões de visualizações. E por que eu só tenho 300 mil seguidores? Não é sobre número, é sobre uma problemática maior, uma conta que não fecha. Por que como o meu conteúdo chega tão longe? Se você fizer uma conta de todos os meus views, devo ter uns 50 milhões ou mais. E por que essas pessoas não ficam, não seguem? Será que é o preconceito? Mesmo assim, continuo produzindo, ocupando os espaços que me são ofertados. E dou muito valor a cada espaço, a cada conquista.
Vamos falar agora de Novela, do Prime Video, que é mais pro lado do humor? Queria saber sobre essa experiência Novela foi uma delícia. Faço a personagem Lucrécia, uma repórter fofoqueira, estilo TV Fama. Foi uma experiência incrível, com elenco igualmente incrível: Maria Bopp, Luana Xavier, Miguel Falabella. Ele, aliás, é uma pessoa incrível, eu fui tão acolhida por esse homem… É um cara que tem escuta, que trouxe muita representatividade, abriu muitas portas para pessoas pretas. Espero que não demore a segunda temporada!
Também queria saber da sua relação com o humor, porque em muitos dos seus Reels você passa mensagens super importantes sempre pelo viés do humor, umas dublagens bem-humoradas, pra denunciar algum hate. O humor é uma ferramenta incrível porque eu faço a pessoa rir e, no final, falo “você tá rindo disso aqui, tá?” E aí a pessoa ri, pensa e reflete “eita, não é por aí”. O humor é uma ferramenta muito potente, de transformação, mas é preciso ter muita cautela pra que a gente não erre. Muita gente ainda não entendeu que o humor tem limites. A gente tem que pensar que é para fazer as pessoas rirem, mas não a partir da dor de ninguém. Já passou da hora da gente entender que não dá mais para zombar, para fazer piada de pessoas pretas, trans, com deficiência.
Tata Werneck é uma pessoa que faz humor de uma forma tão inteligente que, no momento em que ela errou, o que que ela fez? Ligou pra Lina para saber o que fazer e a resposta foi “olha, contrata uma pessoa pra fazer a análise dos seus textos”. E na hora a Tatá contratou. Hoje, ela tem uma pessoa trans na equipe. É importante entender que a gente não vai dominar tudo. Nós somos seres humanos, a gente pode errar. Mas que. se a gente erra, a gente tem a possibilidade de entender onde foi errado e de ressignificar, ressignificar pro lado positivo também. Quando vejo o Nego Di, por exemplo, fazendo piada com existência de travestis, com a existência da própria Lina, fico muito chateada, porque parece que, ao mesmo tempo que a gente tá avançando, vem uma porrada dessa em pleno 2022.
“O humor é uma ferramenta muito potente, de transformação, mas é preciso ter muita cautela pra que a gente não erre. Muita gente ainda não entendeu que o humor tem limites. A gente tem que pensar que é para fazer as pessoas rirem, mas não a partir da dor de ninguém”
Como é que ainda tem gente que bate palma, né? Qual é a graça nisso? É por isso que eu falo que, ao mesmo tempo que a gente avança, são esses tipos de pessoas que ainda votam no Bolsonaro, por exemplo. Que acham que é mimimi porque não sentem na pele metade do que nós sentimos por sermos apenas quem somos. Uma pessoa com nanismo, por exemplo, uma pessoa PCD… Eu não sei o que é, mas o que me custa respeitar? Pra mim o termo “anão” não faz diferença nenhuma. Mas, quando entendo que é pejorativo, é fetichista, vem de um histórico de dor e de piada, por que que eu vou usar esse termo? Não vai mudar nada na minha vida deixar de usar. E. se não vai mudar nada na minha vida, eu só tenho a agregar pra essa comunidade.
Gabi, queria falar também do projeto Vozes Negras, do YouTube, que é um programa de mentoria. Me conta como tem sido participar? Esse projeto é muito especial porque ele seleciona pessoas pretas do mundo inteiro e investem no seu canal e em você. São palestras sobre diversos temas: desde produção, quais equipamentos comprar, até como monetizar seu canal e se tornar uma marca. Além disso, tem vários programas internos de impulsionamento, de collab, de palestras… Dá visibilidade, mas não só isso: também tem uma parte em dinheiro para que você invista e seja mais visto também no YouTube.
Quando o Jonas Maria me falou sobre o projeto, eu nem botei fé. Fiz a inscrição só porque foi ele que me mandou. Logo depos que eu soube que tinha sido selecionada, recebi uma mensagem de um seguidor meu lá em Nova York, com a minha foto na Times Square. É sobre essa representatividade que eu falo, uma que impulsiona. Não é ter a Gabriela no time de selecionados só por ter. É ter a Gabriela e impulsionar o canal dela, capacitá-la como profissional, dar ferramentas para que ela consiga e entenda o que é estar no YouTube e divulgá-la pro mundo inteiro.
A gente falou de Gabi na TV Globo, na Globo Play, no Prime Video. E também tem Gabi na HBO Max, no canal Brasil, além de você estar constantemente produzindo pras suas redes, TikTok, Instagram, YouTube… Que sonhos você ainda quer realizar? Sou uma mulher movida a muitos sonhos. O número 1 da minha vida é a maternidade, que inclusive foi impulsionado muito pela Pepita recentemente. Só que esse sonho vai ficar guardado mais um tempinho. Ainda quero conquistar outras coisas antes de me dedicar a ter uma criança comigo. Para além disso, quero ser protagonista, poder ter a minha voz e amplificar a voz de pessoas trans. Atualmente, também estou realizando outro sonho, que é construir a casa dos meus pais. Isso é um marco na minha vida porque eles me ajudaram muito, desde sempre.
Mas eu quero muita coisa ainda. Lançar minha carreira de cantora, me formar em psicologia, ter meu consultório e poder trabalhar com pessoas trans e suas famílias… Estou muito cansada de ser a “Gabriela, atriz trans de Malhação”. Não, sou Gabriela Loran, que coincidentemente sou uma mulher trans. Mas ser trans é minha condição de vida e eu não sou a minha condição. Tenho a minha identidade, minha história, muita coisa que vem antes disso.
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