empre reconheceu em si um desconforto com a estrutura da sociedade. Mas, formalmente, o feminismo só entrou na vida de Antonia Pellegrino com força a partir de 2014, logo após ser mãe. Com dois filhos, Iolanda e Lourenço, começou a ler e refletir sobre as questões de gênero e o interesse foi só crescendo. Começou, então, a falar e praticar com mais ênfase.
“Quem tem esse coração feminista, de alguma maneira, mesmo sem entender que é feminista, tem esse incômodo de natureza feminista. Sempre senti esse incômodo. Demorei a entender que um monte de gente já tinha falado sobre isso e lido sobre isso. Encontrei o meu grupo”.
Como roteirista – colaborou no documentário, Democracia em vertigem, de Petra Costa, indicado ao Oscar em 2020 –, Antonia aderiu à narrativa das ondas feministas, que para ela funciona. “Gosto de historinha. Tem gente que não gosta dessa narrativa, mas para mim é educativa. São ondas e vão passar. Esse é um desenho que faz sentido para muita gente.”
Ela enxerga que a sociedade brasileira passa por uma quarta onda feminista, que começou em 2011, com a Marcha das Vadias, e que a partir de 2017 começou a ser devorada pelo mercado e pelo capitalismo. Surgiram camisetas com “The Future is Female”, “Girl Power”, entre outras expressões de caráter feminista, mas com um tom mais purista e superficial.
Para Antonia, a mercantilização do feminismo empobreceu questões importantes, que acabaram despolitizadas. “Vira um feminismo chá entre amigas, e não é”
Mas, ao mesmo tempo, reconhece que esse movimento gerou um efeito positivo, de ampliar o acesso à informação. “Tem um efeito viral importante”, pondera, citando inclusive o Big Brother Brasil, cuja edição de 2020 trouxe à tona discussões sobre igualdade de gênero e raça.
“Temos muitas coisas a fazer, evidentemente que sim. Mas a gente de fato conseguiu avançar muito. Não é mais uma coisa acadêmica, como já foi. Está na vida das pessoas, está colocado. As novas gerações estão se apropriando disso a sua maneira. Não é uma coisa de mulheres brancas de elite. Ganhou muita força com mulheres negras periféricas, que falam do feminismo do seu próprio jeito, com sua linguagem”.
Em um país como o Brasil, que tem mais da metade da população formada por mulheres e metade formada por negros, com uma herança racista e escravocrata muito forte, é impossível levantar discussões de gênero sem falar, também, de raça.
“Não dá para falar de feminismo sem pensar de forma interseccional, é impossível. Tem que sempre buscar o olhar de raça também, não dá para desconsiderar isso”, opina Antonia, que diz preferir ler feministas negras, como a americana Angela Davis e a brasileira Djamila Ribeiro. “Elas trazem contribuição para mim, que sou uma mulher branca com privilégios muito grandes. Elas ampliam o meu mundo e isso é muito importante”.