la foi desbravadora ao se tornar uma das primeiras compositoras de uma escola de samba, um universo até hoje pouco afeito a mulheres nessa função. Há cem anos, em 13 de abril de 1922, nascia no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, Yvonne da Silva Lara, que mais tarde adotaria o nome artístico Dona Ivone Lara. Autora de clássicos da música brasileira, sucesso em qualquer roda de samba, ela encantou Villa-Lobos com seu talento e técnica musicais, foi gravada por alguns dos artistas mais incensados da MPB e permanece sendo uma inspiração e um símbolo de resistência para as mulheres.
Também cantora e compositora de samba, Teresa Cristina pontua que Dona Ivone Lara está presente na vida de qualquer mulher que queira iniciar uma carreira de compositora hoje no Brasil, mesmo que ela não saiba da importância da sambista. “Ela é desbravadora, inaugurou lugares. De repente uma cantora nova pode não citar a Dona Ivone como influência, mas ela não precisa, porque o lugar que ela está ocupando já foi inaugurado pela Dona Ivone”, analisa. “Ela colocou a gente num lugar de excelência. E isso é para sempre”, avalia.
“Ela é desbravadora, inaugurou lugares. Uma cantora nova pode não citar a Dona Ivone como influência, mas ela não precisa, porque o lugar que ela está ocupando já foi inaugurado pela Dona Ivone. Ela colocou a gente num lugar de excelência. E isso é para sempre”
Teresa Cristina
Embora Dona Ivone desde cedo tenha mostrado aptidão para a música (e paixão por ela), tudo em sua carreira demorou para acontecer. Nascida em um ambiente musical, estudou em colégio interno, onde foi aluna da maestrina Lucília Villa-Lobos, esposa do maestro, e da cantora Zaíra de Oliveira, primeira esposa do sambista Donga. Fez parte de um orfeão (uma espécie de coro) na Rádio Tupi, regido pelo próprio Villa-Lobos, e começou a compor aos 12 anos. Ao sair do internato, foi viver com o tio Dionísio, que era músico e a ensinou a tocar cavaquinho. Fez seus primeiros sambas de terreiro para a escola Prazer da Serrinha, fundada por seu sogro, Alfredo Costa. Mas não foi nada fácil: devido ao machismo da época, temia que não fossem aceitos por terem sido escritos por uma mulher, então um de seus primos, Mestre Fuleiro, os apresentava como se fossem dele.
Com o fim da agremiação, não demoraria a se juntar aos outros ex-integrantes no recém-fundado Império Serrano, em 1947. No mesmo ano, compôs o primeiro samba para a escola, “Não Me Perguntes”, até hoje considerado um dos hinos da Verde e Branca. Em 1965, assinou o samba-enredo “Os cinco bailes tradicionais da história do Rio”, composto em parceria com Silas de Oliveira e Bacalhau – foi a primeira mulher a conseguir tal feito em uma grande escola. Com o samba, a agremiação foi vice-campeã.
“Eu fico pensando, imaginando, como devia ser chegar na quadra do Império Serrano, entrar para um lado, para o outro e só ver homem”, pontua Teresa Cristina. “E, naquele tempo, com aqueles compositores incríveis, o tema das canções eram mulheres malvadas, demonizadas, que partiram o coração deles. Era tudo homem com dor de cotovelo colocando a gente num lugar demoníaco. E ela chegar ali, com o cavaquinho dela, cantar o que ela fazia… Nem consigo imaginar o grau da dificuldade que ela passou”, diz.
“Eu fico imaginando como devia ser chegar na quadra do Império Serrano e só ver homem. E, naquele tempo, o tema das canções eram mulheres malvadas, demonizadas, que partiram o coração deles. Ela chegar ali, com o cavaquinho dela, cantar o que ela fazia… Nem consigo imaginar o grau da dificuldade que ela passou”
Teresa Cristina