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Cordonblê

Cozinhar é dom? Culinária substitui terapia? Vale a pena ir pro MasterChef? Assistimos a uma aula da Le Cordon Bleu e tudo isso passou pela nossa cabeça

por Laís Brevilheri Atualizado em 8 set 2021, 11h29 - Publicado em 7 set 2021 23h54
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(Laís Brevilheri/Ilustração)

Eu desenho desde sempre e cozinho desde que saí de casa pra fazer faculdade. Comecei a cozinhar porque tive uma ziquizira no estômago causada pelo primeiro semestre na cidade nova à base de miojo e omelete (eu era uma universitária típica, sem dinheiro e sem noção também, mas o miojo custava 89 centavos, sabe?). 

É engraçado perceber que tanto desenhar quanto cozinhar são reinos em que as pessoas acreditam no dom, como se você nascesse pré-destinado a ambos ou a nenhum deles. Mas, na verdade, é desenhando que se desenha, e é cozinhando que se cozinha. 

Aos poucos, fui tomando gosto, achando fácil, pesquisando receitas, testando temperos, aprendendo técnicas e combinações de sabores. Cozinhar é divertido e é também um hobby – fazer o bolo do aniversário ou um prato diferente no final de semana, assar cinnamon buns em casa e testar receitas de mousse de chocolate até chegar na minha preferida. Os amigos gostam de perguntar quando eu ia me inscrever no MasterChef e a minha resposta vai ser pra sempre a mesma: nunca! 

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(Laís Brevilheri/Ilustração)

Mas uma coisa sempre me intrigou: o prêmio. Não, não o troféu-masterchef-Brasil-que-simboliza-toda-a-sua-jornada-aqui-dentro, o curso de gastronomia francesa na renomada Le Cordon Bleu Paris (ou o de pâtisserie em Ottawa?). Então, quando veio o convite para acompanhar uma demonstração na escola, eu topei, mesmo que depois eu precisasse escrever, apesar de ser designer por aqui. 

“Cozinhar é divertido e é também um hobby – assar cinnamon buns em casa e testar receitas de mousse de chocolate até chegar na minha preferida. Os amigos gostam de perguntar quando eu ia me inscrever no MasterChef e a minha resposta vai ser pra sempre a mesma: nunca!”

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(Laís Brevilheri/Ilustração)

Na quinta-feira, dia 26 de agosto, fui até a unidade paulistana da escola ver o preparo de um prato salgado e um doce com degustação no final. Só de ler o cardápio dava pra entender o show: entrecôte, molho Bernaise, batatas risolée e mix de PANCs para o prato principal; éclair de chocolate na sobremesa. Um molho clássico francês, famoso por ser difícil, que a chef Renata Braune logo diz que não é. Batatas cortadas em cubos perfeitamente regulares e cozidas na manteiga. A carne preparada para ficar inteira perfeitamente rosada. Uma salada de PANC para o toque final de frescor e modernidade. A pâte à choux com recheio e cobertura equilibrados lindamente pelo chef Salvador Ariel.

O pulo do gato é: técnica perfeita – o que significa muita prática e repetição. Os chefs contam que, no curso básico, os alunos precisam fazer tudo na mão, sem aparelhos elétricos, e que a escola prima pelo desenvolvimento de técnicas antes de receitas. Tipo aprender a desenhar no papel antes de usar o computador. Eles defenderam que é importante entender o preparo dos pratos com todos os sentidos, percebendo as pistas não apenas com o paladar – a cor, o cheiro, o barulho na panela… tudo é sinal. É um estar presente no momento, um prestar atenção total, um estado meditativo até.

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Isso me fez lembrar do meu primeiro chefe em São Paulo – ele namorava uma estudante de psicologia que queria que ele fosse pra terapia. Ele dizia que não precisava, porque cozinhava. Eu, hoje, engrossaria o coro pró-terapia, mas essa faceta mindfulness da culinária é inegável. Mais ainda quando você pensa em picar batatas em perfeitos cubinhos com 1 cm de cada lado. É o que chamam de flow, quando você está totalmente imerso naquilo que está fazendo e as horas voam sem que você perceba. 

Assistir à aula foi maravilhoso, mas também uma tortura. O cheiro de tudo que estava sendo preparado era inebriante. Tudo ficou parecendo fácil de reproduzir – uma impressão que com certeza seria destruída se a gente fosse fazer a segunda parte prática que os alunos do curso têm depois de cada demonstração. Eu já fiz éclairs em casa, mas provar as que foram feitas ali despertou muitas dúvidas. Como é possível um recheio tão intenso e cremoso? O tamanho perfeito? A sobreposição da glaçagem e das pequenas decorações no doce? Folhas de ouro?! 


“Assistir à aula foi maravilhoso, mas também uma tortura. O cheiro de tudo que estava sendo preparado era inebriante. Tudo ficou parecendo fácil de reproduzir – uma impressão que com certeza seria destruída se a gente fosse fazer a segunda parte prática que os alunos do curso têm depois de cada demonstração”

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(Laís Brevilheri/Ilustração)

Pâtisserie é uma ciência exata, mas saber controlar o ponto da massa de uma forma tão total que muda se a umidade do ar estiver mais alta é mágica. É como saber o ponto exato de acrescentar uma gota de água na aquarela sem estragar a pintura, um truque lindo. Também parece mágica um molho que ficou quente demais no banho maria voltar à textura ideal com um pouco de água gelada. Eu nem sou da carne, mas ver a chef testando o ponto com uma agulha foi fascinante. Experiência faz tudo parecer fácil. 

Então, minha conclusão é que o curso na Le Cordon Bleu parece um ótimo prêmio, porque ensina a entender o que está por baixo das receitas. É como aprender a pintar com as cores primárias. Você não depende dos fabricantes de tinta pra fazer a cor que quer – com vermelho, amarelo, azul e branco você mistura as suas. Sabendo as técnicas você tem os tijolos pra criar. Não é mágica, é treino. Não é dom, é repetição. É cozinhando que se cozinha, é desenhando que se desenha. Depois de ver a excelência de perto, inspiração é que não falta por aqui : )

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