o dicionário, a descrição de liberdade é simples: o poder que tem o cidadão de exercer a sua vontade dentro dos limites que lhe faculta a lei. Porém, ela não é igual para todos. No Brasil, apenas a partir de 1977 que as mulheres conquistaram o direito ao divórcio e só há 11 anos atrás que o assédio sexual foi considerado crime pelo Código Penal. A Lei Maria da Penha, criada para coibir a violência doméstica, é mais nova ainda – nasceu em 2006. Já o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino, chamado feminicídio, passou a ser considerado crime há apenas sete anos, em 2015.
E foi só no dia 8 de março deste ano que a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que retira a exigência de consentimento do cônjuge para a esterilização voluntária de pessoas casadas. Para esse grupo, isso significa não precisar da autorização do marido para realizar uma laqueadura – algo que, até agora, só poderia ocorrer em casos de necessidade comprovada.
“O corpo feminino é político e sua emancipação tem a ver com as noções de autonomia, liberdade e justiça”, diz a professora de filosofia da PUCPR, Darli Sampaio. O sentido de emancipação tem diversas frentes: cultural, estética, política e jurídica. Ou seja, tem a ver com todas as ações do cotidiano, seja postar uma foto sensual nas redes ou decidir não ter um filho. Porém, quando essas pautas precisam ser discutidas de fato, a sociedade parece ter ficado para trás.
Afinal, se as mulheres não têm o controle de seus próprios corpos, quem se beneficia? Se olharmos para a Antiguidade, entendemos que a exploração do corpo feminino sempre foi comum. Na época feudal, a reprodução era controlada para gerar mão de obra ou garantir uma linha sucessória de riqueza. “Historicamente, o corpo feminino sempre foi tratado como um objeto. Até as perspectivas da ciência, medicina e filosofia sobre a mulher foram criadas pelos homens”, explica a especialista. “Nesse sentido, esses corpos são um território que vêm sofrendo muitas intervenções masculinas ao longo do tempo. É daí que vem o sentido de objetificação, que se mostra como uma maneira de manutenção do patriarcado.”
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Hoje, em um sistema capitalista e pós-moderno, esse processo se complexificou e foi institucionalizado pelas leis, religiões e um até pela autovigilância. “O controle também passa a ser sobre a subjetividade feminina. Um exemplo disso é a mercantilização da beleza e dos padrões corpóreos”, afirma a socióloga Camila Galetti. “Posso citar o skincare, que é usado num discurso de autocuidado para vender produtos para mulheres.”
Além disso, não é possível pensar nesses conceitos sem trazer questões de raça, classe e sexualidade. Isso porque as mulheres negras eram usadas não só por sua capacidade de trabalho, mas por sua sexualidade – o que faz com que elas precisem lutar ainda mais para garantir avanços. “Enquanto as mulheres brancas queriam trabalhar e queimavam sutiãs, mulheres negras já trabalhavam há muito tempo. Isso precisa ser levado em consideração”, ressalta Darli.