experimentação

A copa do mundo da Cannabis é nossa

O brasileiro Bruno Gagliardi plantava maconha quando ainda era ilegal nos EUA. Hoje, ele é vencedor da Cannabis Cup e o melhor produtor do Arizona

por Artur Tavares Atualizado em 22 set 2021, 23h56 - Publicado em 22 set 2021 23h50
-
(Clube Lambada/Ilustração)

uantos problemas brasileiros não seriam resolvidos se jovens como Bruno Gagliardi fossem permitidos de realizarem seus sonhos? Nascido aqui no país mas radicado desde muito jovem nos Estados Unidos, hoje engenheiro agrônomo, Bruno almejou ganhar a vida plantando cannabis de maneira totalmente legal. Longe do atraso e do moralismo tacanho da nossa sociedade, cursou a universidade na Flórida, se mudou para a Califórnia, e começou uma carreira extremamente bem sucedida.

O jornalismo em que a gente acredita depende de você; apoie a elástica

Quando Bruno começou a plantar maconha, ainda jovem, a planta também era ilegal nos EUA. Mas, a sorte brilhou para ele e, pouco a pouco, os estados do país norte-americano começaram a reverter a onda da proibição. O agrônomo experimentou o primeiro grande boom de profissionais entrando em um ramo de amadores, de apaixonados, de pessoas que conseguiram sair da ilegalidade em busca da construção de empresas completamente regulamentadas, pagadoras de impostos, contribuintes em uma sociedade que preza pelo bem-estar, pela saúde, pela redução da criminalidade.

View this post on Instagram

A post shared by BrunoCG (@brunocg310)

Funcionário das empresas irmãs Connected/Alien Labs, Bruno foi convidado a chefiar o primeiro cultivo das marcas fora da Califórnia, uma operação iniciada no Arizona, no ano passado. Em agosto de 2021, veio o reconhecimento: Connected/Alien Labs faturaram os maiores prêmios da High Times Cannabis Cup Arizona, de melhores flores sativa indica, híbrida, além do melhor beck pré-bolado de todo o estado.

Continua após a publicidade

Eu, que não sou bobo nem nada, queria conseguir umas dicas de cultivo gratuitas direto do especialista. No final das contas, nosso bate-papo rendeu uma bela entrevista. Acenda um, inspire-se, divirta-se:

-
(Daniel Norin/Unsplash)

Como você começou a trabalhar com cannabis? Me conta sua história. Você já morava nos EUA? Já trabalhava com agronomia?
Nasci no Brasil, mas me mudei para os Estados Unidos muito novo, com menos de dois anos de idade. Basicamente, fui criado aqui, só voltei com 11 anos, mas logo retornei para a Flórida, onde vivi até me formar na faculdade. Me formei em agronomia, trabalhei lá por um ano, na área de paisagismo, mas depois fui para a Califórnia perseguir o meu sonho, que era plantar cannabis, o motivo pelo qual fui estudar agronomia.

Não foi fácil entrar na indústria, na verdade minha formação dificultava naquele momento, porque o mercado era muito novo, não havia muitos agrônomos trabalhando na área. As pessoas olhavam para aquilo com um pouco de insegurança. Com persistência, acabei conseguindo começar por baixo, basicamente puxando folha seca, regando planta, um emprego para iniciantes. Depois de dois anos e pouco, eu já era gerente do cultivo. Fui subindo de cargo muito rápido. Foi nessa época que a Connected veio falar comigo, me tirando daquela companhia, e assim me mudei aqui para o Arizona, quando a operação começou, em 2020. É uma companhia muito grande na Califórnia, marca número 1 do estado, que pela primeira vez abriria uma sede em outro estado.

Continua após a publicidade

Estamos há um ano plantando aqui com muito sucesso, o que nos motivou a competir no primeiro High Times Cannabis Cup aqui, uma competição diferente, que aconteceu no formato people’s choice [escolha do público]. Antigamente, eram juízes, mas agora foram os consumidores, que passaram um mês experimentando os produtos em casa, para depois reportar quais eram os melhores. Esperávamos um resultado muito legal, mas o que saiu foi o melhor possível. Fomos primeiro lugar em todas as categorias de flor. Só não ganhamos nos gummies, os comestíveis. Mas, ganhamos os principais prêmios.


“Com persistência acabei conseguindo começar por baixo, basicamente puxando folha seca, regando planta, um emprego para iniciantes. Depois de dois anos e pouco, eu já era gerente do cultivo. Fui subindo de cargo muito rápido”

Continua após a publicidade

Quando pensamos nos growers de cannabis, a imagem que vem é sempre a do amador. O que você, como engenheiro agrônomo, traz para um cultivo profissional?
A coisa mais importante são os fundamentos de horticultura. O que você via muito no mercado eram os growers que ficaram famosos, ótimos, fazendo apenas o que eles faziam. Descobriram como cultivar certas cepas na estrutura que tinham montado, com os produtos que tinham usado, mas tudo muito fixo, engessado. Se você chegar para um desses growers e pedir para fazer em outros lugares, com condições diferentes, ele não conseguiria. A pessoa passa 20 anos cultivando de um mesmo jeito. Se muda alguma coisa em volta, já começava a cair aos pedaços, porque não havia entendimento básico das plantas. No meu caso, eu aprendi esses fundamentos, a fisiologia das plantas, toda essa base.

Agora, é importante também ter essa experiência com a cannabis. O que aconteceu nessa transição, quando as empresas começaram a contratar mais técnicos em agronomia, é que as pessoas que só plantaram soja a vida inteira não entendiam as diferenças da cannabis. Ela é uma planta como qualquer outra, mas você tem que conhecê-la para plantar da melhor forma possível. Quem tem vantagem nesse mercado são as pessoas que têm, ao mesmo tempo, formação em agronomia, mas também plantando cannabis.

O consumidor é diferente entre os diferentes estados americanos? Existem peculiaridades que fazem suas flores terem ganho no Arizona?
A Califórnia tem um histórico muito grande com a cannabis. O usuário lá é um pouco entendido. Mas, o Arizona evoluiu muito. Aqui, o uso adulto recreacional foi legalizado há pouco tempo, embora o medicinal já fosse permitido há anos. A cabeça do povo está mudando, o usuário está ficando um pouco mais educado sobre a qualidade dos produtos. No Arizona, ainda é muito difícil encontrar flores de qualidade. Muitas das companhias que plantam aqui são muito grandes, corporações, que têm preocupação de produzir quantidades enormes, mas de qualidade desejável. O mercado é muito diferente.

Kryptochronic, flor indica vencedora do Cannabis Cup Arizona 2021
Kryptochronic, flor indica vencedora do Cannabis Cup Arizona 2021 (Connected/Divulgação)
Continua após a publicidade

Vocês ganharam quatro prêmios de uma só vez, de melhor flor indica, melhor sativa, melhor híbrida e de beck pré-enrolado. Pode me falar um pouco sobre cada genética?
São as mesmas genéticas que plantamos na Califórnia. Nossa flor indica vencedora foi a Kryptochronic, a sativa, Melonade, e a híbrida, Gushers. E, o pré-bolado é de Gelato 41. Não fazemos muita distinção de efeitos entre eles, e sim muito mais pelos terpenos. A não ser no caso da Melonade, que realmente é uma sativa de efeito mais leve, mais energético. Mas, quando sai desse campo para ir para os efeitos mais pesados, hoje em dia não tem muito mais diferença entre indicas e híbridas. É tudo tão misturado que você classifica mesmo pelos perfis de terpenos, e aí você pode classificar o resto todo como quiser, seja indica, híbrida, ou híbrida com indica dominante.


“Nossa flor indica vencedora foi a Kryptochronic, a sativa, Melonade, e a híbrida, Gushers. E, o pré-bolado é de Gelato 41. Não fazemos muita distinção de efeitos entre eles, e sim muito mais pelos terpenos”

Quanto de ganja você produz?
Aqui, cada sala produz cerca de 100 pounds de flor (45 kg), colhendo a cada dez dias, em um total de oito salas. Isso é nossa primeira fase. A segunda fase começa em dezembro, quase triplicando a produção de flores. Estamos pensando em expandir, comprar outro prédio, e acrescentar mais. Mesmo assim, não conseguimos manter a flor na prateleira. A demanda é tão alta que precisamos aumentar a produção.

Aqui é tudo indoor, mas na Califórnia temos produção outdoor e estufas. Isso tudo é direcionado para a produção de resinas e extratos, fazer canetinhas, mas geralmente tudo que é flor é feito indoor.

Continua após a publicidade

View this post on Instagram

A post shared by BrunoCG (@brunocg310)

Você se tornou um influenciador no Instagram, um cara cujas dicas têm ajudado uma série de growers aqui no Brasil. Como foi isso?
Foi culpa da covid [risos]. Um dia, por acaso, um brasileiro comentou em um post meu, perguntando sobre desfolhação. Fiz uma resposta bem compreensiva, explicando tudo, e o povo começou a pirar. Os comentários e as perguntas não paravam de chegar. Isso foi no começo da pandemia, em um momento em que eu estava trabalhando apenas meio período e voltando para casa o resto do dia. Comecei a fazer live, usar o tempo para conversar com as pessoas no Instagram. Foi um momento em que muitas pessoas decidiram aprender a cultivar. E agora, um ano depois já tenho 18 mil seguidores. Eu gosto de falar com as pessoas, acho divertido, e é ótimo ver a produção brasileira melhorando, as pessoas tendo sucesso. É uma satisfação.

View this post on Instagram

A post shared by BrunoCG (@brunocg310)

Como um cara que vive em um país que venceu o proibicionismo e trabalha em um mercado que está voando, o que você pode dizer dos benefícios da legalização da maconha para fins recreativos e medicinais?
A proibição é chata. Quando comecei a estudar aqui nos Estados Unidos, também era ilegal. Era um sonho que eu tinha de que um dia seria legal. Agora, é um sonho realizado, e muito melhor do que eu imaginava. O mercado está estourando aqui nos EUA, ainda vai ter muita coisa para acontecer. Um dia o Brasil vai mudar. Isso é inevitável. Por enquanto, o que existem são oportunidades para quem está querendo se posicionar, como eu queria, de aprendizado. Então, ainda que não seja legalizado agora, o melhor jeito é enxergar isso como uma chance de investir.

Publicidade

Tags Relacionadas
mais de
experimentação
Mesmo proibida no Brasil, a cannabis está movimentando o mercado com previsões de lucro e crescimento vertigionosas
A comida paulista que nasce entre quilombos, agroflorestas e praias
As estilistas Teodora Oshima, Rafaella Caniello e Ana Cecilia Gromann falam sobre a valorização da identidade brasileira para emancipar o mercado fashion
campari-misogino

Beba Campari sem ser misógino

Por
5 drinks que você pode fazer em casa ou pedir no bar para aqueles momentos onde a breja não cai bem
Néli-Pereira-2_Foto-Marcos-Bacon

Tomando uma com Néli Pereira

Por
Desde o início de sua jornada profissional, a jornalista, escritora e mixologista soube dar vazão à maior de suas paixões: contar a história do Brasil