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“A gente não tem segurança nenhuma”

Anielle Franco revela já ter pensado em concorrer a um cargo público para dar um cala a boca nos assassinos da irmã Marielle, mas desistiu por medo

por Bruna Santamarina Atualizado em 31 ago 2020, 11h08 - Publicado em 29 jun 2020 09h46
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(Clube Lambada/Ilustração)

e professora a ativista dos direitos humanos, Anielle Franco ganhou visibilidade e se tornou uma figura pública no pior momento de sua vida. A irmã, Marielle Franco, havia escolhido a carreira política e se tornado vereadora no Rio de Janeiro, mas teve sua caminhada brutalmente interrompida. Foi assassinada a tiros, em março de 2018. Mesmo atordoada com a perda familiar, Anielle se viu obrigada a tomar a frente da situação: blindou os pais e a sobrinha e passou a figurar em jornais e revistas com frequência, para defender o legado da irmã. A mais recente aparição foi para clamar contra a federalização da investigação da morte de sua irmã, pedido que acabou negado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), no fim de maio, conforme pedia a família da vereadora. De tão envolvida com o ativismo, Anielle chegou a cogitar, ela também, concorrer a um cargo público, para ir ainda mais a fundo na preservação dos ideais de Marielle, mas a insegurança foi um fator determinante para desistir dos planos.

“Confesso que, no início, tinha muita gana, achava que, se eu entrasse, não digo vingar, que é muito forte, mas daria um cala a boca em quem fez isso com a minha irmã. Tinha isso na cabeça. Mas fui tirando essa ideia de lá, porque a gente não tem segurança nenhuma”, conta Anielle, a primeira a chegar ao local do crime de Marielle e quem teve que lidar com a dura tarefa de reconhecer o corpo da irmã no IML (Instituto Médico Legal).

Foi insegurança, sim, mas não só. Anielle também reconhece que a irmã “nasceu para aquilo”. Iluminava-se ao entrar no plenário e, mesmo sozinha, lutar pelos direitos daqueles que sempre defendeu, que eram, assim como ela, mulheres, negros, periféricos e praticamente invisíveis aos olhos do parlamento.

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“Não é a minha realidade. Estudei para ser professora, isso era mais eu. Política não era para mim, embora todo mundo fale: ‘você é super boa para isso’. Hoje, entendo que a Mari é um pouco maior do que a gente, do que definir minha luta em partido político, embora respeite”.

O caminho escolhido por Anielle, então, foi o de criar o Instituto Marielle Franco, para concentrar as demandas relacionadas à irmã. A iniciativa veio também de um sentimento que a professora tinha de fazer algo no âmbito da educação, especialmente no Complexo da Maré, onde as duas nasceram e foram criadas.

“Fui mandada embora de três escolas onde eu dava aula por ser irmã da Marielle. O salário de professor não é maravilhoso, você tem que dar aula em cinco, seis escolas. Perder três escolas é perder muito. Me avisaram: ‘sua imagem não dá para manter na nossa escola’. Então, pensei que daria um jeito e faria algo que eu goste. Ao me ver com tempo livre, e diante dessa necessidade de manter a memória e o legado dela, com essa sede de justiça, por carregar o nome dela, comecei a pensar e conversar com pessoas próximas sobre o instituto”, conta.

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Marielle presente

A primeira ação concreta mesmo foi a Casa Marielle, para oferecer cultura e lazer a moradores da Zona Portuária, no Rio de Janeiro. O espaço mal chegou a abrir, em março deste ano, e já teve que fechar as portas, devido à pandemia provocada pelo novo coronavírus. “É uma tristeza, porque a gente não imaginava que ia ter que fechar dessa maneira. Ao mesmo tempo, a gente entende que era importante fechar. Não tinha como manter, com o número de pessoas que passava por lá por dia. Teve uma sexta que só eu recepcionei 40 pessoas. Era expor demais”.

Mas as ações do instituto, especialmente voltadas para a periferia, seguem firmes. “A primeira coisa que muito tem me incomodado é as pessoas acharem que a quarentena da favela é igual à da zona sul. Isso tem me deixado frustrada, tento falar sempre que posso sobre isso”.

O instituto sobrevive graças a uma campanha de financiamento coletivo, que já bateu as duas primeiras metas. “É a força da galera querendo somar. A gente tem outros planos e projetos, mas, neste momento de coronavírus, estamos nos reformulando e pensando como vamos fazer. Acho que temos que ter paciência e ir tocando”.

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A questão, para ela, é não parar um minuto de agir em prol da memória de Marielle. É a forma mais fácil que ela e a família encontraram para lidarem com a dor, que parece não ter fim.

“Lembro perfeitamente do momento do crime. Eu fui a única pessoa da família a ir lá. Só o fato de ter ido, de ter conseguido pisar no IML… Não é que eu me orgulhe disso, mas parei e pensei que: ou eu faria como se ela estivesse fazendo por mim; ou eu iria me paralisar. Jamais esperava ter que enterrar minha irmã, ter que hoje dar entrevista sobre a Mari, mas não tem como se paralisar em relação a isso. Tenho que pensar que a força dela está em mim. A família inteira foi nessa onda, nessa vibe, não só por ela, mas pela gente mesmo. Já caí alguns dias, mas não no começo. Até estranhava, fui num automático tão grande. Quando dei uma parada, dei uma caída”, relembra. “É muita lembrança que vem na cabeça da gente”.

Anielle dificilmente se deixa emocionar em entrevistas. Apesar do teor árduo da conversa, ela se multiplicava em duas e tentava entreter a filha pequena, Mariah, que pintava ao seu lado, enquanto falava sobre o impacto da perda na família. “O que é mais difícil para mim é ver meus pais. Acaba comigo. (…) Minha mãe nunca conseguiu… Meu pai é mais calado. Minha mãe fala, esperneia, chora, grita, não aceita”, conta Anielle. “A gente não imaginava que isso pudesse acontecer na nossa família. A Mari era diferente, era muita luz, tinha muito afeto, era muito do bem. Hoje, eu sinto muita falta da minha parceira.”

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